
Será que o livro Sob o signo da verdade tem sido suficientemente analisado no
que diz respeito ao estado do jornalismo e dos media em Portugal?
Muitas intervenções e textos de opinião sobre este caso, tanto nos media como na
blogosfera, limitam-se a desancar de alto a baixo a figura controversa de Manuel
Maria Carrilho. Porém, não se lhe pode negar a capacidade, talvez a coragem, de
pôr o dedo na ferida, num país em que a resignação e a maledicência se substituem
aos debates incómodos.
Associamo-nos assim, a todos aqueles que nesta polémica estão contra a corrente,
aos que não desprezam as capacidades intelectuais e políticas de Carrilho e aos que
não esqueceram a sua actuação inovadora enquanto Ministro da Cultura.
Fazemos questão de participar no debate, actualizando sucessivamente este post.
Esperamos contribuir deste modo para que o caso Carrilho vs. Media não seja
rápidamente abafado, como tantas vezes tem acontecido com outras questões
essenciais na sociedade portuguesa.
Este domingo, 28 de Maio, constatámos um saudável contributo para a discussão no
site do Clube de Jornalistas, que traz em "1ª Página" um conjunto de links sobre
a polémica, apresentando ainda o Prefácio do livro de Manuel Maria Carrilho.
Por sua vez, o blogue Lisbonlab, de Hugo Neves da Silva, reúne os links referentes
à onda de posts que assolou a blogosfera na sequência do debate televisivo Prós &
Contras (RTP, 23 de Maio). Entre os blogues que marcaram a diferença, salientamos
o Insónia e o Xatoo (v. Ligações no final do texto)
Para já, aqui fica o texto de Paulo Varela Gomes, em carta ao director do jornal
Público (via Xatoo, 23 de Maio)
“Sobre Carrilho, duas coisinhas que se arriscam a ficar esquecidas no meio da
confusão: foi o melhor ministro da Cultura que o país teve desde o 25 de Abril e,
se tivesse sido eleito para a Câmara de Lisboa, teria sido, muito possivelmente, a personalidade de que a cidade desesperadamente precisa desde Duarte Pacheco
nos anos de 1940.
O problema de Carrilho é que não percebeu que os politicos não podem ser
“famosos” como são os outros “famosos”, jogadores de futebol, actores e actrizes, apresentadores de televisão, “famosos” profissionais. A todos estes, os media
pedem a exibição da vida familiar e de alguns pecadilhos. Todos estes podem dar
facadas nos casamentos e noivados, apanhar bebedeiras, descobrir o corpo à
beira de piscinas, vender os direitos sobre fotografias, etc. Sem isso não teriam
interesse mediático.
Mas os politicos não. Os politicos da era da televisão e da democracia de massas
têm de parecer humanos mas não podem verdadeiramente sê-lo. Devem ter e
exibir discretamente uma vida familiar, sim, mas apenas de dois tipos: ou a do
avozinho simpático tipo Cavaco Silva ou a do robot sem verdadeira vida familiar
como Blair ou Sócrates. Devem mostrar sentimentos, mas apenas os mais banais
e com o maior “sentido de Estado”. Ai deles se dão a mais pequena escorregadela.
Se aparentam ter qualquer afecto pronunciado. Se alteram a voz. Se se ofendem.
Os media dão cabo deles sem nenhuns escrúpulos. E depois vêm queixar-se (todos
contentes) de que os politicos que temos não valem nada e não têm nenhum
interesse humano.
Carrilho devia ter percebido isto? Não sei porque é que devia. Tão pouca gente
percebe”.
(R)
Ligações em actualização:
ALMOCREVE DAS PETAS (Masson) O jornalismo segundo "os próprios" ou o caso Carrilho
Aforismos do sr. Karl Kraus... dedicados a senhores prudentes
O AMIGO DO POVO (Fernando Martins) Carrilho escreveu um livro...
ASPIRINA B (Luis Rainha) Sob o signo da incubadora (2)
AUTO-RETRATO (Sérgio Lavos) O confronto
ESPLANAR (Carlos Leone) Para que serve (até agora) a polémica da hora
ESTADO CIVIL (António Guerreiro) Carrilho e o seu duplo
INSÓNIA (Henrique Fialho) Tadinhos Para que serve (até agora) a polémica da hora
Paranormal Vendo, lendo, ouvindo Prós & Contras Um livro corajoso
KAOS Um polvo de mãos invisíveis
A MEMÓRIA INVENTADA (Vasco M. Barreto) Vaidade, inveja, vacuidade (20 Maio)
PLANALTOS (Jorge P. Pires) Tiros com silenciador
XATOO O "arrastão" Carrilho Frases soltas O arrastão Carrilho, parte II
[R]
Fotografia > Fernando Lemos (n. 1926)
> A mão e a faca, 1949/52 (Colecção Berardo)
Por ser uma das nossas preferidas, esta fotografia de Fernando Lemos foi mantida
em reserva no arquivo digital do Ultraperiférico, aguardando um tema marcante.
Chegou a hora de a publicarmos, em honra de Manuel Maria Carrilho, dado que a
ele se deve, entre outras iniciativas no campo das artes, a criação do Centro
Português de Fotografia (1997), o primeiro instituto do Estado dedicado a uma
área que desde sempre o país menosprezou.
Sobre uma folha de papel que parece levitar, apenas a mão e a faca. Com este simples dispositivo, Fernando Lemos encenou magistralmente uma das mais intensas imagens
da história da fotografia em Portugal. E através da suspensão do gesto da mão que se
dirige à faca, sendo esta um instrumento que aqui substitui metaforicamente o lápis
ou o pincel, dá-se início a uma narrativa ficcional que o olhar do espectador, não
podendo fugir-lhe, concluirá.
[R]
Etiquetas: Fernando Lemos, fotografia, Manuel Maria Carrilho, Paulo Varela Gomes