domingo, outubro 29, 2006



[PF #2.] - Portuguesices (II)
Na capa de Novembro da revista Exame, podemos ver o título de um "especial":
Quanto vale Portugal vendido ao metro quadrado. Lendo o artigo, ficamos
a saber que esse valor é de 80 e tal euros/m2. Pode parecer pouco, mas tendo em
conta que os investidores espanhóis seriam dos principais interessados (têm fama
de empreendedores, os lotes de terreno ficam mesmo ao lado, e muitos portugueses
gostavam que Espanha nos comprasse por atacado), parece-me um preço bastante
aceitável. E porquê? Porque convém não esquecer que adquirir o nosso país, implica
tomar conta da cultura portuguesa. Ora sendo Espanha a terra de Cervantes e de
Velasquez e de Goya e de Picasso e de Lorca e de Tapiés e de Almodóvar, só para
citar alguns exemplares de ícones espanhóis cuja cotação no mercado internacional
é um tudo-nada mais alta que a dos nossos, onde iriam eles arrumar a cultura
portuguesa? Que fariam com ela? É um quebra-cabeças, convenhamos, dá trabalho,
leva tempo, e tempo é dinheiro.
Por tudo isto, parece-me um preço justo, uma boa oportunidade de negócio, e sempre ganhávamos umas coroas. Assim como assim, os nossos ícones até estão quase todos
lá fora, o Mourinho, o Cristiano, o Pauleta, o Figo...

(Adenda: a postagem original sofreu algumas alterações)
[PF]

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sexta-feira, outubro 27, 2006


[PF #1.] - Portuguesices
Claro que não se conhecem ingleses ou suecos que queiram ser polacos ou gregos.
Claro que não se conhecem franceses ou guatemaltecos que queiram ser italianos

ou tailandeses. Não interessa: há portugueses que querem ser espanhóis, que
gostavam de ser espanhóis. Ou antes, gostavam de ser ingleses ou mesmo franceses,
mas ser espanhol também serve.
E falando de iberismos, a propósito da actual campanha para a eleição dos "grandes portugueses", proponho votação maciça no egrégio José António Saraiva, opinion
maker, que gostava de ser espanhol. Por supuesto.
Quanto aos portugueses que gostam de ser portugueses, isto é, que não se importam
de ser como as pessoas dos outros países, isto é, que não se importam de ser como
as pessoas que gostam de ser dos países delas, votem segundo os parâmetros que
entenderem. Ou não votem de todo, cada um sabe de si.
[PF]

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terça-feira, outubro 24, 2006

[citação 12]
SENDO AS COISAS INTELECTUAIS




Sendo as coisas intelectuais semelhantes às coisas amorosas...

Citação > Roland Barthes (1915-1980), França
> in Roland Barthes por Roland Barthes
(fragmento de "O amor por uma ideia"),
ed. Edições 70, Lisboa, 1976.

Fotografia/Instalação > Annette Messager (n.1943), França

> Mes Voeux (Os meus desejos), 1989. Fotografias p/b emolduradas e fios.
Col. Musée National d'Art Moderne/Centre Pompidou, Paris.
[R]

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segunda-feira, outubro 23, 2006

INTELIGÊNCIA



Ainda Georges Braque e as suas palavras 'Amo a regra que corrige a emoção.
Amo a emoção que corrige a regra
'. Aqui ficam algumas considerações breves
que me ocorrem a propósito desta frase notável.

É evidente que a regra se relaciona com o que temos por hábito identificar como
razão, racionalidade. Frequentemente, emoção e razão são tidas como inimigas,
trata-se no fundo do clássico antagonismo entre 'o coração e a cabeça'.
Na era das tecnologias a tendência é para dar o primado à razão. Quem é racional
e objectivo tende a ser mais apreciado e respeitado, porque a expressão de emoções
está socialmente conotada com fragilidade e vulnerabilidade emocional. Mas na
verdade não podemos esquecer que a emoção, sendo prévia à razão, tem uma
função adaptativa: faz a primeira avaliação do que nos acontece. Informa-nos
do que nos rodeia, prepara-nos para a acção. É fundamental identificar a emoção
(medo, alegria, raiva...), que o acontecido provoca. É portanto útil, e em todo o
caso estrutural, não poderíamos viver sem emoções. É indispensável exprimi-las
e integrá-las com a razão, na procura de novos significados para a vida. Por seu
lado, a razão relaciona-se com a capacidade de análise e de reflexão sobre o que
nos acontece, através do pensamento, do raciocínio lógico. O pensamento dá
significado à emoção, analisa-a, ou seja, observa-a em perspectiva.

A emoção controla as funções não verbais e abre caminho à concentração e ao
silêncio. A razão controla as funções verbais e analíticas, identifica a experiência
e a emoção que ela suscita, encontrando a palavra que a descreve. A tão falada
inteligência emocional não é senão a adequação do que pensamos ao que sentimos.
A forma mais elevada de inteligência é a capacidade de comunicar, de estar em
empatia com o outro.

A arte e a criatividade são os exemplos por excelência da integração da razão
com a emoção. Regra e emoção, portanto.
[P]

Escultura > Jim Dine (n.1935), EUA
> Two Big Black Hearts, 1985, bronze, Col. DeCordoba Museum and Sculpture
Park, Lincoln (MA, USA)
[R]

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terça-feira, outubro 17, 2006

IDENTIDADES



A propósito de anónimos, homónimos, heterónimos, pseudónimos,
alcunhas: vamos meter tudo no mesmo saco?
Se considerarmos o desdobramento de identidades na blogosfera, convém dizer
que a pseudonimia e a heteronimia não são variantes do anonimato. Basta lembrar
que a prática do pseudónimo é recorrente em escritores e artistas, para que nos
demos conta que são coisas diferentes. O pseudónimo não retira um pingo de
identidade aos seus autores. É uma forma de identidade condensada em obra,
inteiramente reconhecível enquanto tal, ainda que em muitos casos também se
destine a proteger a vida privada.
Na blogosfera, o pseudónimo pode limitar a tentação do reconhecimento público,
ou mesmo evitar um certo mimetismo da feira de vaidades que outros espaços
de comunicação tendem a promover. E neste sentido opõe-se à tendência dos
periódicos cor-de-rosa e dos programas de entretenimento televisivo, onde
aqueles que a isso se expõem oferecendo a sua intimidade a desconhecidos,
diz-se que generosamente, parecem ter conquistado uma existência acima do
cidadão comum.
A intimidade, pensamos nós, só faz sentido quando a sua expressão acrescenta
universalidade ao nosso limitado mundo. E porque pretendemos comunicar
exclusivamente através de ideias, a omissão do nome próprio dos participantes
deste blogue é intencional e obrigatória. Cada qual, através do seu pseudónimo,
diz aos visitantes do blogue tudo o que interessa dizer sobre si, ou sobre a parte
de si que quer tornar pública. Isto não deve bastar-nos?
[R]



E como andamos por aqui há nove meses (tempo de uma gestação), pensamos que
hoje é o dia certo para apresentar o novo elemento da equipa do Ultraperiférico
- Personagem de Fricção, guest star. Vamos lá ver o que terá para dizer.
[P] [R] [K] [H]

Fotografia > Versões de retrato múltiplo (em actualização), de autor não
identificado, tratadas pelo sistema Picasa a partir de uma fotografia que pode ser
vista aqui.

(anomalias no Blogger implicaram a revisão do post após lançamento inicial)
[R]

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quinta-feira, outubro 12, 2006

[citação 11]
AMO A REGRA





Amo a regra que corrige a emoção.
Amo a emoção que corrige a regra.


Citação/Litografia > Georges Braque (1882-1963), França
> J'aime la règle qui corrige l'émotion. J'aime l'émotion qui corrige la règle,
in "George Braque - His Graphic Work", ed. Abrams, New York, 1961

Pesquisar Georges Braque

http://perso.orange.fr/art-deco.france/braque.htm
http://www.guggenheimcollection.org/site/artist_bio_23.html

[R]

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terça-feira, outubro 10, 2006

SEXO?



Weston de novo, a propósito de um comentário de José Quintas no post anterior
(O pimento de Weston). Creio que podemos encontrar respostas nas palavras do
fotógrafo José M. Rodrigues, na mesma caixa de comentários, e nos excertos do
diário de Edward Weston, transcritos em adenda no post. Ainda assim, uma nova
questão: O que têm em comum o pimento e este Nude?

Fotografia > Edward Weston (1886-1958), EUA
> Nude, 1936, Col. MoMA, NY
[R]

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terça-feira, outubro 03, 2006

O PIMENTO DE WESTON



Este pimento de Edward Weston tornou-se ícone máximo de um género fotográfico
herdeiro da tradição pictórica da natureza-morta. Mas como explicar que este mesmo
pimento seja, simultâneamente, uma das mais intensas imagens da história da
fotografia? Em que é que difere da restante obra de Weston no campo da observação
da natureza? Porque é que se distingue entre milhões de outras imagens?
[R]

[Adenda > 7.10.2006]
Anotações do diário de Edward Weston (trad. Propranolol):
9 Julho 1930
(...) E eu trabalhei outra vez com pimentos, surpreendendo-me a mim mesmo! Sonya trouxe vários para casa e eu não pude resistir, embora pensasse que já
me tinha deixado disso. Mas os pimentos nunca se repetem a si próprios!
Conchas, bananas, melões, tantas formas que não se prestam a experiências
- mas não é assim com o pimento, sempre de uma exaltante individualidade.
(...)

1 Agosto 1930
O glorioso novo pimento que Sonya trouxe manteve-me ocupado a semana
toda e obrigou-me a fazer oito negativos - não estou satisfeito ainda! Estes
oito foram todos tirados do mesmo ângulo; é raro isto acontecer-me.
(...) Mas o pimento merece bem todo o tempo, dinheiro, esforço. (...) Houve
quem sugerisse que eu sou um canibal por comer os meus modelos depois de
uma obra prima. Mas eu gosto mais de pensar que eles se tornam parte de
mim, enriquecem o meu sangue, tal como enriquecem a minha visão. (...)

8 Agosto 1930
Não pude esperar mais tempo para os imprimir - os meus novos pimentos (...)
Primeiro imprimi o meu favorito, aquele que eu fiz sábado passado, 2 de
Agosto, quase já sem luz - feito rápidamente, mas depois de uma semana de esforço que antecedeu a minha decisão, imediata, sem hesitação. Uma
semana? - sim, com este específico pimento - mas um esforço de vinte anos,
que começou na minha juventude numa quinta de Michigan (...), até fazer este pimento, que eu considero o culminar de um trabalho.
É clássico, completamente satisfatório, - um pimento - mas mais que um
pimento: abstracto, no sentido em que está completamente para lá do tema.
Não tem atributos psicológicos, não apresenta emoções humanas: este novo
pimento transporta-nos para além do mundo que conhecemos no plano da consciência. Para ter a certeza que muito do meu trabalho tem esta qualidade,
- muitos dos meus últimos pimentos, mas sobretudo este, e na realidade todos
os novos pimentos, transportam para uma realidade profunda - o absoluto
- com uma compreensão clara, uma revelação mística. Esta é a "apresentação
significante" a que eu me refiro, a apresentação através do eu intuitivo, vendo
"através dos olhos, não com eles"; o visionário.

in Edward Weston, The Flame of Recognition
- His photographs accompanied
by excerpts from the Daybooks & Letters, Edited
by Nancy Newhall,
An Aperture Monograph/Museum of Modern Art, ed. Aperture,
New York, 1975
[R]

Fotografia > Edward Weston (1886-1958), EUA
> Pepper, 1930, Col. MoMA, NY
[R]

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