
No blog
Os tempos que correm, Miguel Vale de Almeida escreveu um artigo intitulado
Mediterrâneo que nos suscita um comentário alargado acerca do caso dos cartoons.
As liberdades de expressão e de informação de que o sistema democrático ocidental
faz tanto alarde não são intocáveis. Poder-se-á até argumentar que, apesar de tudo,
nenhum outro sistema lhe chega aos calcanhares. Porém, coloquemos o problema
deste modo (à maneira de um cartoonista): as liberdades têm vindo a transformar-se
num terreno minado por cascas de banana, no qual escorrega cada vez mais um
ocidente arrogante e auto-convencido.
As lideranças político-religiosas do mundo islâmico já perceberam que a nossa maior
força reside nos valores da liberdade e utilizam magistralmente as contradições do
sistema democrático, no qual tantas vezes à conta da liberdade se ocultam
irresponsabilidade e lucro. Não é verdade que as regras do mercado, dito livre,
vendem notícias como quem vende sabonetes?
Tanto faz que manifestemos ou não um repúdio sincero pela grotesca manipulação
das massas fanatizadas. Todos sabemos que os poderes se perpetuam pela
manipulação dos ideais religiosos ou, em sua substituição, por outros ideais ditos
nobres. Mas também sabemos que o Islão iconoclasta repudia a representação do
rosto de Deus. E sobrevive através disto mesmo, proibindo que a Imagem substitua
a Palavra.
Se alguma coisa existe de verdadeiramente preocupante no mundo dito civilizado,
é justamente a banalização da imagem. E eles sabem que nós comemos bandeiras
queimadas ao jantar dos telejornais.
Veja-se a propósito de imagens, os prémios anuais do World Press Photo, sempre
um sucesso estrondoso, feito em grande medida à custa das tragédias do 3º mundo.
Ou o miserabilismo lucrativo de Sebastião Salgado, com a agravante deste fotógrafo
se permitir colar ao seu talento a exploração do voyeurismo e a denúncia panfletária
das injustiças do mundo.
Lembremos a 1ª guerra do Iraque com os excitados directos do início de um perigo
então ainda mal conhecido. Ó glórias da tecnologia! Ó glórias da coragem na frente
de batalha! Ó estrondosa inovação da liberdade de informar! E quando falta matéria
pirotécnica, abre-se um telejornal com o caso do “neto que matou a avó à paulada”.
O jornalismo ocidental embarca na ideologia economicista como embarca em
qualquer tragédia descartável. Vende-se e pronto, cada um é livre de enriquecer…
Por detrás dos empregos nos órgãos de comunicação estão máquinas calculadoras,
interesses políticos e financeiros, todos respeitáveis e intocáveis. Vai daí a blogosfera,
autêntica alternativa potencial à inconsistência das liberdades de um certo jornalismo
(ó sacrossanta corporação!), também começa a render-se à agenda mediática.
Os jornalistas entram em massa na blogosfera e a coisa não melhora. Felizmente
há excepções, esperemos que se multipliquem.
E nós por cá, ultraperiféricos? Não fomos já dominados pelo sábios do Islão? Não
temos ainda, na língua e nos costumes a herança árabe? Não tarda nada ainda
acabamos a precisar de ditadores. Ou salvadores de pátrias e de bons costumes.
Saudações ultraperiféricas.
[R] Fotografia > Foto Camacho, > Açoteias, Olhão, 1966 (foto © FC/CRO)
[R] Etiquetas: islão