CONDOMÍNIO PRIVADO

O debate sobre o estado da arquitectura portuguesa tem sido diminuto, se tivermos
em conta a dimensão dos problemas nesta área e que é urgente estancar a frenética
degradação da paisagem urbana do país.
Parece-nos evidente que é preciso salvaguardar o que resta, reabilitar o que existe,
recuperar o que é possível, planear com regras, implodir o que não tem remédio.
A responsabilização pelos problemas existentes não implica apenas, nem sobretudo,
os arquitectos. Porém, ficámos agora a saber através de um gráfico publicado
n'
A Barriga de um Arquitecto (
Arquitectos por milhar de habitantes), que não
faltam arquitectos em Portugal, por comparação com outros países da União
Europeia, o que torna a questão ainda mais insólita.
Postas de lado eventuais deficiências de qualificação profissional, interrogamo-nos
se são os arquitectos, ou as equipas e empresas que estes integram, a ter pouca
capacidade de influenciar as políticas autárquicas, ou se são os poderes autárquicos
e os negócios ou interesses empresariais de que os arquitectos afinal dependem a ter
excessiva força. Outra questão, que não é despicienda, corresponde a um problema
mais vasto, de natureza cultural, referida por
Helena Roseta, presidente da
Ordem dos Arquitectos, numa entrevista recente (cito de memória):
"Em Portugal existe uma enorme falta de cultura estética e visual".
E o que têm feito as universidades portuguesas para diagnosticar e divulgar os
erros de ocupação do território? Que avaliação é feita, década a década, para que
não se repitam os mesmos erros urbanísticos?
É certo que vão surgindo projectos qualificados por todo o país, sobretudo de
reabilitação e recuperação dos centros históricos das cidades, afastando do nosso
horizonte o pesadelo das décadas de 1970 e 80, que provocou enormes mazelas,
algumas irreversíveis.
Hoje, o que avança a um ritmo aparentemente imparável são, além dos inenarráveis
subúrbios das grandes e das pequenas cidades, as zonas de construções novas em
torno dos núcleos antigos, desarticuladas destes e da restante paisagem.
Um caso paradigmático é a cidade de
Miranda do Douro, do lado português do
Parque Natural do Douro Internacional, onde a par da cuidada recuperação do seu
notável centro histórico continuam a crescer bairros de péssima arquitectura.
Parece que na generalidade das autarquias se tornou moda cuidar dos centros
históricos como se fossem ilhas. Será um pretexto para libertar os autarcas das
suas obrigações de exigência para com novos projectos, face à pressão imobiliária e
aos negócios subterrâneos? Será um pretexto para lucrar em duas frentes, o turismo
e a construção civil, calando de vez as associações de defesa do património histórico
e, simultâneamente, satisfazendo os interesses particulares?
Convém não esquecer o óbvio: o património arquitectónico do futuro também terá
que integrar a paisagem urbana que formos construindo no presente.
[R][
Adenda > 7.9.2006]
Alguns textos fundamentais n'
A Barriga de um Arquitecto:
> Ideologia urbana > Preconceitos urbanos > Anti-paisagem[R]Fotografia > Anónimo (Portugal)> Dólmen celta, Penafiel, s/data (c.1910?), postal ilustrado fototípico
(foto © FH/CRO)
[R]Etiquetas: Anónimos, arquitectura, centros históricos, Miranda do Douro