segunda-feira, abril 30, 2007

ICONOCLASTIA



Há uma longa caminhada a fazer para ultrapassar resistências ou dificuldades de
convívio com os nossos ícones culturais. Quase sempre e em quase todas as áreas,
aquilo ou aquele que brilha é, em Portugal, factor de divisão e polémica, muito para
lá da legitimidade crítica, como se os portugueses não soubessem unir-se em torno
dos seus próprios valores. Os exemplos abundam, mas para referir apenas a área
da música lembremo-nos dos casos de Amália, Carlos Paredes ou Zeca Afonso.
À grandeza e ao talento, em torno dos quais qualquer comunidade pode rever-se
com orgulho, reagem os portugueses com indiferença ou animosidade,
transformando factores de unidade em factores de divisão. E nada disto se refere
ao exercício da crítica, que entre nós é frequentemente tomado por maledicência.

O actual Presidente da República, Cavaco Silva, a quem cumpriria preservar os
símbolos colectivos do país, apresentou-se uma vez mais na comemoração oficial
do Dia da Liberdade, em dissonância com a Revolução dos Cravos. Diz ele, para já
renegando o cravo na lapela presidencial, que é preciso inovar o modelo das
cerimónias evocativas do 25 de Abril
.
Interroguemo-nos: Porque persiste o PR em "partidarizar" o cravo vermelho, se
este é o símbolo máximo de um acontecimento histórico, prévio à formação ou à
legalização dos partidos políticos? Se a permanência deste símbolo depende do seu reconhecimento por parte da maioria dos cidadãos do nosso país, como é o caso,
porquê reduzi-lo a emblema da Esquerda? Será que o PR não se revê no vermelho
pacífico de uma flor que se substituiu nas espingardas às balas e ao sangue que
todas as convulsões políticas deviam evitar?
[R]

Pintura > Anónimo (séc. XV), Portugal
>
Ecce Homo, c.1490, col. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
[R]

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quarta-feira, abril 25, 2007

O ÍCONE





Há um ano comemorámos a Revolução dos Cravos com uma longa passadeira
("32 cravos vermelhos + 1 cravo a ganhar cor..."), seguida de algumas memórias
daquele dia histórico, o 25 de Abril de 1974. Hoje, comemoramos de novo a data
e a dimensão universal d
o cravo vermelho.
Passados 33 anos, será que já sabemos lidar com este ícone?

[R]

1974
Comemorações da Revolução dos Cravos . Ultraperiférico
2007

Outras comemorações
(em actualização,
levantamento do estado das comemorações na blogosfera, incluindo
algumas
anti-comemorações)

Abencerragem > O 25 de Abril que me interessa
Abril e Revolução (> Galiza) > 25 de Abril
Aldina Duarte Blog > Liberdade
Almocreve das Petas > ... a palavra ... /III República - 33 anos depois do 25 de Abril

Amigo do Povo, O > 25 de Abril
Ante & Post > A esta hora, há 33 anos
Apocalipse do Porco (> Galiza) > Tan preto, tan lonxe

Arrastão > Youtube sempre, fascismo nunca mais
Auto-retrato > 25 de Abril

Avatares de Um Desejo > Bom dia
Avesso do Avesso > Salazar e as eleições
Bicho Carpinteiro > No quartel do Carmo
Blasfémias > Pela separação entre a Igreja laica e o Estado
Blografias com Luz > 25 de Abril de 2007
Calidonia (> Galiza) > 25 de Abril: 100 cartazes
Cibertúlia > À Liberdade, que é sempre pouca

Cidade das Mulheres, A > The Queen Save God
Cocanha > O postal do ano no poeminha do dia

Com Destino (> Angola) > Liberdade
Coroas de Pinho > Trinta e três anos
Da Literatura > O último discurso?
Daedalus > Somos livres: tradição
Daqui de Lisboa > 25 de Abril
Depois da Fronteira (> Galiza) > Já choveu muito, mas a estrada está seca (25 de Abril)
Desenhar com Luz > Sempre

Desmancha-Prazeres > Eu sei que já é tarde, mas mesmo assim...
Devaneios Desintéricos > Vinte e Cinco de Abril
Diário de um Sociólogo (> Moçambique) > Grândula, vila morena > 25 de Abril de 1974

Dias com Árvores > 3 x 10 + 3
Dias Estranhos (> Galiza) > Sinais de cambio
Dias Felizes > s/título

Divas & Contrabaixos > 1974
Dolo Eventual > 25 de Abril, sempre!
Espelhos Velados > 1970 (retrato)

Gotas d'Água > 25 de Abril - Livre
Grande Loja do Queijo Limiano > Quarta-feira, Abril 25, e dias seguintes
Há Vida em Markl > 25
Ideias de Moçambique (> Moçambique) > 25 de Abril 1994
Incomunidade > E se amanhã fosse 25 de Abril?
Insónia > 25 de Abril > e outros posts
Instante Fatal > 25 de Abril, a fotografia saíu à rua > O espírito do 25 de Abril
Irmão Lúcia
> Espaço pub em registo melancólico > Refrescar a memória

Legendas & Etcaetera > Do 25 de Abril > e outros posts
Malambas (>Angola) > ... foi há 33 anos. Lembras-te
Modesto Web (> Galiza) > Contra a corrente
Natureza do Mal, A > Este foi o dia
Nós Media (> C. Verde) > Antes do 25 de Abril, como viviam os presos do Tarrafal?
Passado/Presente > Censura antes de Abril > Os jornais e o 25 de Abril (...)
Peão > Uma fotografia do 25 de Abril > e outros posts

Pimenta Negra > 25 de Abril Sempre, Fascismo nunca mais > e outros posts
Plan(o)alto > s/título
Poesia Distribuída na Rua > Ana Haterly - Revolução (excerto) > Mário Cezariny
Sob(re) a Pálpebra da Página > Cravos de Abril/Les Oeillets d'Avril
Sound + Vision > O dia seguinte
Suburbano > 25 de Abril (na internet) > e outros posts
Tempos Que Correm, Os > Uma no cravo, nenhuma na ferradura

Terceira Noite, A > 24, 25, 26
There´s only 1 Alice > 25 Abril Sempre
Tugir > Salgueiro Maia > e outros posts
Vermelho e o Negro, O > Novembro em Abril

Viajador > O princípio da desonestidade
Vida Involuntária > A mais longa ditadura da história da Europa
Welcome to Elsinore > Cantar com voz determinada > A liberdade está a passar por aqui
Xatoo > Fazendo orelhas moucas ao folclore retórico, de facto não resta nada (...)
Zone 41 > Hoje a senha da revolução iria ser postada num blog?
[R]

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segunda-feira, abril 23, 2007



[PF #7.] - Tréguas.
Esta semana foi manchete de jornal: "Tréguas a José Sócrates só vão
abrandar durante a presidência da União Europeia"
. Isto é, as agendas
mediáticas estão milimetricamente concebidas e preparadas para ataques sucessivos
ao primeiro-ministro até às próximas eleições. É natural, visto que a calendarização
jornalística obedece sempre, mas mesmo sempre, aos mais altos desígnios nacionais e
aos verdadeiros problemas dos portugueses. Convém igualmente desgastar Sócrates
ao máximo antes da presidência portuguesa da UE, não vá ele sair prestigiado.
Durante a dita, já é diferente: torna-se indispensável salvar as aparências em frente
de estrangeiros, não escarrar para o chão, não limpar a orelha com o dedo mindinho,
não atirar beatas pela janela do carro, não dizer palavrões em público. Nem atacar
o primeiro-ministro.
Sendo assim, não vamos passar por vergonhas, podemos ficar descansados.
É lindo, não é? [PF]

[Adenda > 24.4.2007]
Escreveu Bolota na caixa de comentários:
(...) tenho vergonha da iliteracia, do quase analfabetismo de tanto jornalista que
por
aí escreve ou fala. Atentemos na manchete: "Tréguas a José Sócrates só vão
abrandar
na presidência... etc.". Perdão?!?!?? As tréguas é que vão abrandar? Mas
começaram? Mandem-me esta gente de volta para a escola primária e depois,
sim,
ponham-nos a falar de habilitações.

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quarta-feira, abril 18, 2007

HABILITAÇÕES



Os órgãos de informação continuam a decidir soberanamente qual é a notícia do dia.
Continuam também a decidir por quantos dias a notícia do dia é notícia do dia. Pode
ser qualquer coisa relacionada com futebol ou com política. Ou coisa assim, tanto faz,
são eles que decidem. E muita da blogosfera vai a reboque. A mina de ouro do
momento, a saber, as habilitações do primeiro-ministro, continua a ser gulosamente
explorada, até porque o sr. teve a audácia de não reverenciar os media, algo que
entre nós provoca indignação e uma tendência irreprimível para retaliações.
Entretanto, no último Expresso e sobre o mesmo caso, a conhecida língua de Miguel
Sousa Tavares menciona "esse instrumento de calúnia e impunidade sem

igual que é a blogosfera". Dixit. Enquanto por cá vão sendo estes os temas, para
lá de Badajoz outras coisas vão acontecendo, talvez (quase) tão importantes para
compreender o futuro do planeta. Mas perante as estrelas do jornalismo de cá,
quem sou eu para opinar sobre o que quer que seja.
[P]

[Adenda > 19.4.2007]
Protestos que nos chegaram por e-mail mencionando impossibilidade ou

dificuldade em postar comentários, levaram-nos a pesquisar os meandros do
"novo blogger". O problema, que lamentamos, parece por ora resolvido.
Esperemos que futuramente a comunicação livre na net não venha a tornar-se
cada vez mais difícil.
[R]


Objecto > José Pedro Croft (1957), Portugal
> Sem título (espelho e fragmento de cadeira), 1995, Col. Particular.
[R]

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segunda-feira, abril 09, 2007

VÍCIO



Sou fumador. Fumar prejudica gravemente a minha saúde e, em certos casos, pode
prejudicar a saúde dos que me rodeiam. Fumar é um vício privado, de cujos perigos
sou repetidamente advertido em cada maço de cigarros e do qual sou responsável
directa e individualmente: se eu consigo ultrapassar este vício que tanto me
atormenta, ou se eu continuo a fumar apesar das advertências, apesar do mau-estar
que por vezes suplanta o prazer e apesar dos prejuízos na carteira, este é um assunto
da minha esfera íntima, não diz respeito a governantes. Considero no entanto
correctos alguns condicionamentos legais destinados a proteger os não fumadores,
desde que observados os meus direitos individuais, que tanto podem incluir o simples
prazer de fumar como possíveis compulsões suicidárias.

O parlamento português prepara-se para aprovar um pacote legislativo que fará de
mim, a cada hora que passa, um prevaricador, sob pretexto de querer proteger
a minha saúde e, sobretudo, a saúde dos que não fumam - aqueles a quem chamam
fumadores passivos. Fumar em lugares públicos, numerosos e previamente
tipificados, isto é, satisfazer o meu vício na presença de pessoas bem comportadas,
vai ser proibido e punido pelas leis do meu país. Só ainda não compreendi bem, se
querem empurrar-me para a santidade ou se querem que eu me sinta um autêntico
criminoso. Do que não restam dúvidas é que há quem pretenda transformar o
tabagismo no paradigma de todos os males, nesta sociedade de chaminés venenosas
e de tubos de escape asfixiantes, uma sociedade de indústrias nocivas na qual todos
somos realmente fumadores involuntários e snifadores passivos.

O anti-tabagismo fundamentalista, gerado pelas mentalidades puritanas da América
e pela rigidez hipocondríaca de certas mentalidades do centro da Europa, chegou em
força aos países latinos de tradição menos preconceituosa, tornando-se também entre
nós uma moda. Pressupõe-se que a perseguição aos fumadores irá reduzir os
problemas do mundo e tornar as sociedades mais saudáveis e menos perigosas.
Porém, sabemos que isto não é assim, sabemos que o que está em causa tem
motivações economicistas (nos sistemas de saúde e seguros, por exemplo). Sabemos
também que os problemas do mundo, no que diz respeito à qualidade do ar que
respiramos e às ameaças ao equilíbrio planetário, são de facto graves, mas que a responsabilidade por esta situação cabe sobretudo aos países ditos avançados onde,
a par dos elevados índices de poluição, o anti-tabagismo é frequentemente mais
feroz.

Políticos e legisladores servem-se da perseguição aos fumadores como substituto da
sua incapacidade de desmantelar indústrias poluidoras? Ou, indo mais longe, será
que o tabaco é o bode expiatório conveniente para disfarçar a falta de coragem
política no combate às verdadeiras causas da poluição ambiental? Será que atacar o
vício privado de quem fuma não passa de um sintoma do velho vício público de
mostrar quem manda? Não será isto um abuso de poder disfarçado de autoridade
democrática? Será que, simultaneamente, se exorciza a má-consciência do sistema
economicista, no que respeita aos lucros gigantescos provenientes dos impostos
cobrados aos fumadores por cada maço de cigarros? Ou será que tudo isto não passa
de um fenómeno de ilusionismo asséptico, por detrás da tentação apocalíptica de
continuar a lucrar até à exaustão poluindo rios, oceanos, cidades e florestas?
[R]

Fotografia > Autor não identificado, Reino Unido (?)
> Smoking nuns, s/d, s/l.
[R]

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terça-feira, abril 03, 2007

ÓBIDOS WONDER



Há uns tempos que eu não passava por uma das mais belas vilas históricas de
Portugal. Cheguei curioso, disposto a observar as mudanças realizadas no mandato
de Telmo Faria, que tem sido apontado como um dos jovens autarcas-modelo do
país. Porém, a desilusão, posso dizê-lo, foi total: Óbidos mais parece um shopping
center
colocado num cenário histórico.
Bem sei que em vésperas dos espectáculos religiosos da Semana Santa, o excesso
de turistas e os bandos de crentes, não favorecem a pacatez bucólica da vila, mas
não foi isto que transtornou a minha visita, tanto mais que o chão das ruas atapetado
de cedro, murta, alecrim e rosmaninho, exalava odores magníficos. O que me
revoltou foi o novo desordenamento comercial, a profusão de casas de artigos
turísticos e outras lojas com deploráveis arranjos interiores "ao estilo antigo", e
nos exteriores, tabuletas, anúncios e toda a espécie de kitsch comercial espalhado
pela fachada de cada estabelecimento.
No meio de tudo isto, a que chamam "revitalização económica local", ainda julguei
que alguma estrutura cultural pudesse salvar a impressão que me ia ficando de uma
política autárquica desastrosa. Mas não. A prova-dos-nove foi o novo Museu
Municipal agora instalado no Solar de Santa Maria, substituindo o pequeno mas
precioso antigo museu. Negam-se aqui os saberes museológicos mais elementares,
a ponto de vermos aplicados elementos gráficos de apoio e legendagem com peso
visual equivalente ao das próprias peças em exposição, isto acompanhado de
letterings assustadores.
Pobre Oeste selvático, já nem Óbidos, a sua jóia da coroa, é poupada à ignorância
saloia. Bem podem os cartazes apelar ao voto nesta "maravilha/wonder" de
Portugal... ou talvez baste dizer que o crime contra o património histórico continua
a compensar.

Pintura > Josefa de Óbidos (1630-1684), Portugal
> Cordeiro Pascal, c.1870, Col. Museu de Évora.
[R]

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