domingo, julho 29, 2007

CARTIER-BRESSON EM ÉVORA



Ao vivo e a preto e branco, durante quase mais um mês, para ver ou rever em
Évora, Um Silêncio Interior: Os Retratos de Henri Cartier-Bresson, no Fórum
da Fundação Eugénio de Almeida (> FEA). Com encerramento previsto para hoje,
29 de Julho, a exposição foi afinal prolongada até 26 de Agosto. Uma boa notícia
para os admiradores do mestre francês, referenciado em todo o mundo sobretudo
após a sua morte, em 2004, como "o olho do século".
Depois de Europeus (CCB, Lisboa, 2001), podemos agora em Portugal aceder a
uma outra visão, digamos, mais intimista da obra fotográfica de Cartier-Bresson,
nesta exposição notável concebida em Paris pela (>) Fondation Henri Cartier
-Bresson
(Le silence intérieur d'une victime consentante, 2006), a partir do
espólio do fotógrafo.
Excelente catálogo em versão portuguesa, cujos critérios editoriais e qualidade de
impressão bem podem servir de exemplo às instituições nacionais que trabalham
com fotografia. A exposição abrange quase todo o percurso do fotógrafo, de 1931
a 1999, contendo maioritariamente provas de época, muitas das quais inéditas.
Montagem rigorosa e eficaz, com um aliciante adicional: partilhar "silêncios
interiores" de numerosas figuras marcantes do século XX, sobretudo artistas e
intelectuais como Marcel Duchamp, Henri Matisse, Alberto Giacometti, Ezra Pound,
Samuel Beckett, André Breton, Jean Genet, ou estrelas do mundo do espectáculo
como Edith Piaf e Marilyn Monroe.



Para reflexão, aqui fica uma citação das palavras do próprio Henri Cartier-Bresson
(texto parietal da exposição):
"Procuro sobretudo um silêncio interior, traduzir uma personalidade
e não uma
expressão. Ao mesmo tempo faz falta a geometria".

Fotografia > Henri Cartier-Bresson (1908-2004), França
> Isabelle Huppert, Paris, 1994, Col. FHCB, Paris
> Pierre Colle, Paris, 1932, Col. FHCB, Paris
[R]

[Adenda > 30.07.2007]
Decidi juntar no mesmo post duas fotografias muito diferentes e explorar o que
formalmente as distingue - ordem, desordem - mas também o que as aproxima
enquanto atitude artística.
Realizadas a mais de sessenta anos de distância uma da outra, nota-se em ambas
o olhar implacável de Cartier-Bresson, a sua não-cedência às convenções do retrato.
Ambas mostram "victimes consentantes", em suas casas, sem poses: Isabelle
Huppert deixa-se fotografar sentada no sofá como se uma longa espera a tivesse
aborrecido, enquanto Pierre Colle
, ainda na cama, parece ter sido surpreendido
pela chegada do fotógrafo antes da hora esperada.
No retrato de Huppert tudo está arrumado: a metade superior da imagem, em
fundo, contendo três planos paralelos verticais (porta e paredes) e um primeiro
plano ligeiramente oblíquo,
formado pelo sofá, correspondente à metade inferior
da imagem
. E neste "décor", destaca-se a massa negra da camisola de lã que
cobre o tronco da actriz
reclinado quase ortogonalmente no sofá, e o seu belo rosto
recortado no centro da composição, emoldurado pelos braços, espécie de fotografia
dentro da fotografia.

Completamente diferente é o retrato de Colle, sem planos estáveis nem linhas
verticais ou horizontais estruturantes da composição, apenas linhas oblíquas e
um emaranhado de tecidos (lençóis e cobertores), do qual emerge o rosto invertido
do retratad0, olhando para trás. Em primeiro plano, um triângulo de soalho, de
luzes baixas, onde brilham sapatos negros.
Numa e noutra imagem o fotógrafo introduziu factores inesperados corrigindo a
ordem ou a desordem excessivas. As cabeças dos retratados são, por assim dizer,
máscaras e
contrapontos, que nos remetem, tal como os sapatos de Colle, para
o vocabulário do surrealismo.
[R]

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quarta-feira, julho 25, 2007

[citação 26]
OS BONS E GENEROSOS



Os bons e generosos
a nossa voz entendem
e com arroubo atendem
ao nosso rouco som;
mas só os ignorantes
e férridos e duros,
imbecis e obscuros,
nom nos entendem, nom.

Citação > Eduardo Pondal (1835-1917), Galiza
> in Poesía, Biblioteca das Letras Galegas, ed. Edicións Xerais de Galicia, 2003.
(excerto de Os Pinheiros, Hino Nacional Galego)

Pintura > José Dominguez Alvarez (1906-1942], Portugal/Galiza
> Compostela, 1933 (fonte iconográfica: Palácio do Correio Velho)

25 de Xullo, Día da Patria Galega
[P]

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segunda-feira, julho 23, 2007

SUMMERTIME




Andávamos há uns tempos com esta ideia na cabeça: dar um passeio pelo extremo
sul da costa alentejana e ficar um dia inteiro na Praia do Brejão, mais conhecida por
Praia da Amália. E foi assim que no Verão passado um grupo de madrugadores partiu
Alentejo fora, a caminho da praia dela.
À chegada, pegámos em farnéis e geleiras e lá iniciámos a descida através de densa
vegetação entre um riacho e a propriedade agora abandonada que pertenceu a
Amália. Através dos arbustos, vislumbrava-se a casa, ainda com as flores grandes
de cores garridas que ela própria pintou, aqui e ali, no branco das paredes. Mais
abaixo, junto à falésia, a azenha onde ela costumava sentar-se quando passeava por
aquela paisagem soberba. A partir daí, a descida faz-se pelos degraus que ela mandou
construir até ao areal.
Abandono e lixo acumulado mostram como naquele sítio quase tudo mudou. Até
a praia que parece ter sido, digamos, paradisíaca, tinha agora um aspecto desleixado,
com mais gente que o previsto, e sobretudo com muito lixo. Mesmo assim demos
uns bons mergulhos naquelas águas magníficas e saboreámos um lauto piquenique
na areia à sombra de uma rocha.
Tínhamos feito questão de levar champanhe no farnel. De maneira que depois do
último mergulho, subimos o mesmo carreiro sinuoso no meio do emaranhado da
vegetação e fomos sentar-nos no alto das falésias sobre o mar.
Ao pôr-do-sol abrimos a garrafa de champanhe e fizémos um brinde a Amália.

Em honra de Amália, nascida (oficialmente) a 23 de Julho 1920.
(v. também 1 de Julho)
[P]

[Adenda > 2.8.2007]
Aviso aos numerosos pesquisadores do Google, em busca de Praia da Amália:
Não vos passe pela cabeça partir de viagem sem ouvir Summertime, interpretado
pela própria Amália,
basta carregar num pequeníssimo botão abaixo da imagem.
A todos desejamos boa praia! E não esquecer, deitar o lixo no lixo.
[R]

Fotografia > José M. Rodrigues (n. 1954), Portugal
> Praia da Amália, 2006 (foto © José M. Rodrigues, cortesia do autor)
[R]

Voz > Amália Rodrigues (1920-1999), Portugal
Música > George Gershwin (1898-1937), EUA
> Summertime, in "Amália na Broadway" (1965), orquestra de Norrie Paramor,
ed. Valentim de Carvalho, 1985
(> v. Summertime > v. G. Gershwin)
[H]

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quinta-feira, julho 19, 2007

[citação 25]
VIVEMOS ADORMECIDOS



Vivemos adormecidos num mundo sonolento. Mas se um tu
murmurar ao nosso ouvido, é isso o que sacode as pessoas: o
eu
desperta graças ao
tu. A eficácia espiritual de duas consciências simultâneas, reunidas na consciência do seu encontro, escapa
subitamente à causalidade viscosa e contínua das coisas.
O encontro cria-nos: não éramos nada - ou nada mais que
coisas - antes de estarmos juntos.

Citação > Gaston Bachelard (1884-1962), França
> in Je et Tu, de Martin Buber (prefácio de G. Bachelard, trad. Propranolol),
ed. Aubier, Paris, 2001.
[P]

Pintura > Mark Rothko (1903-1970), EUA
> Orange and Yellow, 1956, Col. Albright-Knox Art Gallery, Buffallo, NY.
[R]

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segunda-feira, julho 16, 2007

ALENTEJO CONTEMPORÂNEO



Um Verão quente para as artes visuais contemporâneas, no campo da museologia:
depois de Lisboa, com a abertura do Museu Colecção Berardo, a 25 de Junho, chegou
agora a vez do Alentejo, onde no espaço de uma semana inauguraram duas novas
estruturas museológicas, o Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE)
e o museu da Fundação António Prates (FAP), respectivamente nos dias 6 e 13
de Julho, ambas resultantes de iniciatiativas de coleccionadores privados - António
Cachola
, em Elvas, e António Prates, em Ponte de Sôr - empresários que
realizaram contratos de parceria com os poderes autárquicos das duas cidades.
Sendo o Alentejo, reconhecidamente, uma das regiões do país economicamente mais
deprimidas, é preciso sublinhar o esforço que representa a criação destes museus,
tanto mais que nenhuma das três capitais de distrito alentejanas - Portalegre, Évora,
Beja - cidades com outro peso patrimonial, e também outras responsabilidades
culturais, possui por enquanto estruturas congéneres.
Devemos pois saudar a ousadia destes projectos pioneiros, relevantes no âmbito das
relações culturais transfronteiriças e na revitalização do interior sul do país, pese
embora algumas insuficiências de programa e conteúdos museológicos, bem como
lacunas no campo da divulgação, patentes por exemplo na página web do MACE,
integrada no site da autarquia
(sem design condigno, nem documentação iconográfica
da colecção, e com textos apenas em português), ou no facto de não ter sido ainda
lançado um site da FAP, entre outros aspectos que os responsáveis procurarão
certamente corrigir.

Não faltam boas surpresas no MACE, que visitámos no último fim-de-semana:
Desde logo, somos recebidos por funcionários afáveis e competentes, o que não é
coisa menor neste tipo de instituições. Outra surpresa, é a excelente intervenção
arquitectónica nos espaços interiores do antigo Hospital da Misericórdia de Elvas,
núcleo principal do museu, cujo projecto foi coordenado pelo arquitecto Pedro
Reis
, com a participação dos designers Henrique Cayatte e Filipe Alarcão.
O diálogo entre o património do passado e as linguagens artísticas contemporâneas
é neste museu um dos aspectos mais aliciantes, também favorecido pela sua
localização na zona mais nobre do centro histórico, próximo da praça da Catedral.
Todavia, tanto o edifício como a sua localização constituem as principais limitações
do museu, devido ao insuficiente espaço de que dispõe, havendo que recorrer a
núcleos externos, complementares, que ampliem a actual capacidade expositiva.
Quanto às obras da Colecção Cachola seleccionadas para a actual montagem, há que
referir a presença predominante de novos artistas a par de outros já consagrados,
estando ainda ausentes vários nomes de referência no contexto da arte portuguesa
das últimas décadas. É de destacar, por fim, a presença de instalações e peças de
grande porte, como A culpa não é minha (2003), de João Pedro Vale, Expectativa
de uma Paisagem de Acontecimentos
(2007), de Fernanda Fragateiro, ou a
emblemática A Noiva (2001), de Joana Vasconcelos, entre outras peças que
confirmam a intenção pública da colecção.

[Adenda > 18.07.2007]
Sobre o MACE, um texto crítico a não perder, no blog de Alexandre Pomar.

[Adenda > 20.07.2007]
O blog Fundação António Prates, foi lançado hoje mesmo. (http://fundacaoantonioprates.blogspot.com) .

Objecto/Instalação > Joana Vasconcelos (n.1971), Portugal
> A Noiva, 2001. Col. António Cachola/MACE, Elvas
(peça constituída por tampões OB,
apresentada na Bienal de Veneza 2005)
[R]

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quinta-feira, julho 12, 2007



[PF #9] Urbanidades.

A poucos dias das eleições autárquicas intercalares de Lisboa, sucedem-se as
tentativas de descredibilização de figuras relevantes da candidatura de António
Costa. De súbito, desvio ético, conluio, corrupção, passam a envolver os nomes de
José Miguel Júdice e de Manuel Salgado. E isto a propósito do convite dirigido a
Júdice para coordenar a reabilitação da zona ribeirinha de Lisboa, ou a Salgado
para número dois da lista de António Costa. Num país marcado por compadrios
de toda a espécie, sobretudo justamente na caótica área do urbanismo, não deixa
de ser curioso que Roseta, Negrão, Carvalho, Correia, Monteiro, Fernandes, se
mostrem indignados pelos convites feitos a gente competente, com provas dadas.
Pobre Lisboa, onde as querelas sempre se sobrepõem à verdadeira discussão sobre
os seus graves problemas, como pudemos constatar no recente debate da RTP.
E talvez fosse útil lembrar também as responsabilidades pela degradação urbanística
do país, incluindo em Lisboa, por parte de muitos autarcas eleitos anteriormente.
É bom lembrar, por exemplo, que a indignação de Telmo Correia não se fez sentir no
passado, com o seu colega de partido e ex-autarca de Marco de Canaveses. O que está
agora em causa, claro, é reduzir a votação em António Costa. E penalizar o governo
através disso. O que os incomoda é o facto deste candidato ter reunido uma equipa
forte, com uma "ideia de cidade" (coisa rara!), e é isso que se pretende desvalorizar.
Evidentemente.
[PF]

[Adenda] > Outro ponto de vista aqui ou aqui.
[PF]

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quinta-feira, julho 05, 2007

[citação 24]
A PINTURA



A pintura é uma poesia visível.

Citação > Leonardo da Vinci (1452-1519), Itália

Pintura > Jackson Pollock (1912-1956), EUA
> Painting Number 8, 1949 (col. MoMA, Museum of Modern Art, NY)
[R]

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domingo, julho 01, 2007

AMÁLIA




"A escuridão é o seu elemento, figura dominadora mesmo antes de
começar a cantar.
Na semiobscuridade do palco, apenas a sua pálida
beleza luminosa, o seu rosto de
maçãs salientes e boca generosamente
ampla aparecem à luz do projector. Quanto ao
resto, um vestido de
noite negro, de pregas flutuantes, com mangas, que só não lhe
esconde
as mãos. Não usa nem um anel, nem uma pulseira, nem uns brincos,
apenas
um enorme alfinete de diamantes, colocado na cintura, que
cobre com a mão, quando
canta. É a tragédia clássica esculpida na
Terra. Antígona depois de Tebas, Cassandra
depois de Tróia.(...)
Amália não usa truques de voz ou movimentos para chamar a
atenção.
Quando canta, permanece monumentalmente imóvel, embora a cabeça
possa
erguer-se num lamento. "
> H.S., "Queen of Sorrows", in Newsweek, 10 de Fevereiro de 1969.

De Hollywood fui para Nova Iorque fazer outra temporada no La Vie En Rose (...).
Nessa altura não fiquei na América porque não quis. Gravei lá um disco de fado e
flamenco e até me abriram conta no banco para ficar mais tempo e gravar dois
albuns,
com canções de Cole Porter, Gershwin, Jerome Kern. Eu cantava algumas
cantigas
em inglês, Half As Much, I Love Paris e especialmente uma, que fazia muito
sucesso,
Hi-Lili, Hi-Lo, a que eles achavam que eu dava uma mensagem, que dava
profundidade. Mais tarde gravei um disco em inglês e até acho que está bonito,
embora a voz esteja pouco valorizada. Mas levou vinte anos a sair porque eu não
me
decidia. Cantei à minha maneira. Eu sei que não tenho nenhuma obrigação de
pronunciar bem o inglês. Os americanos também não cantam o fado como eu canto.
> in "Amalia - Uma biografia", ed. Presença, Lisboa, 2005

Dedicado a Amália, nascida a 1 de Julho 1920.

[P]

Fotografia > Thurston Hopkins (n.1913), Reino Unido
> Amália, Lisboa, déc. 1950 (col. Culturgest/CGD, Lisboa)
[R]

Voz > Amália Rodrigues (1920-1999), Portugal
Música > Lionel Bart (1930-1999), Reino Unido
> Who will buy, in "Amália na Broadway" (1965), ed. Valentim de Carvalho, 1985
[H]

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