
Ao vivo e a preto e branco, durante quase mais um mês, para ver ou rever em
Évora, Um Silêncio Interior: Os Retratos de Henri Cartier-Bresson, no Fórum
da Fundação Eugénio de Almeida (> FEA). Com encerramento previsto para hoje,
29 de Julho, a exposição foi afinal prolongada até 26 de Agosto. Uma boa notícia
para os admiradores do mestre francês, referenciado em todo o mundo sobretudo
após a sua morte, em 2004, como "o olho do século".
Depois de Europeus (CCB, Lisboa, 2001), podemos agora em Portugal aceder a
uma outra visão, digamos, mais intimista da obra fotográfica de Cartier-Bresson,
nesta exposição notável concebida em Paris pela (>) Fondation Henri Cartier
-Bresson (Le silence intérieur d'une victime consentante, 2006), a partir do
espólio do fotógrafo.
Excelente catálogo em versão portuguesa, cujos critérios editoriais e qualidade de
impressão bem podem servir de exemplo às instituições nacionais que trabalham
com fotografia. A exposição abrange quase todo o percurso do fotógrafo, de 1931
a 1999, contendo maioritariamente provas de época, muitas das quais inéditas.
Montagem rigorosa e eficaz, com um aliciante adicional: partilhar "silêncios
interiores" de numerosas figuras marcantes do século XX, sobretudo artistas e
intelectuais como Marcel Duchamp, Henri Matisse, Alberto Giacometti, Ezra Pound,
Samuel Beckett, André Breton, Jean Genet, ou estrelas do mundo do espectáculo
como Edith Piaf e Marilyn Monroe.

Para reflexão, aqui fica uma citação das palavras do próprio Henri Cartier-Bresson
(texto parietal da exposição):
"Procuro sobretudo um silêncio interior, traduzir uma personalidade
e não uma expressão. Ao mesmo tempo faz falta a geometria".
Fotografia > Henri Cartier-Bresson (1908-2004), França
> Isabelle Huppert, Paris, 1994, Col. FHCB, Paris
> Pierre Colle, Paris, 1932, Col. FHCB, Paris
[R]
[Adenda > 30.07.2007]
Decidi juntar no mesmo post duas fotografias muito diferentes e explorar o que
formalmente as distingue - ordem, desordem - mas também o que as aproxima
enquanto atitude artística.
Realizadas a mais de sessenta anos de distância uma da outra, nota-se em ambas
o olhar implacável de Cartier-Bresson, a sua não-cedência às convenções do retrato.
Ambas mostram "victimes consentantes", em suas casas, sem poses: Isabelle
Huppert deixa-se fotografar sentada no sofá como se uma longa espera a tivesse
aborrecido, enquanto Pierre Colle, ainda na cama, parece ter sido surpreendido
pela chegada do fotógrafo antes da hora esperada.
No retrato de Huppert tudo está arrumado: a metade superior da imagem, em
fundo, contendo três planos paralelos verticais (porta e paredes) e um primeiro
plano ligeiramente oblíquo, formado pelo sofá, correspondente à metade inferior
da imagem. E neste "décor", destaca-se a massa negra da camisola de lã que
cobre o tronco da actriz reclinado quase ortogonalmente no sofá, e o seu belo rosto
recortado no centro da composição, emoldurado pelos braços, espécie de fotografia
dentro da fotografia.
Completamente diferente é o retrato de Colle, sem planos estáveis nem linhas
verticais ou horizontais estruturantes da composição, apenas linhas oblíquas e
um emaranhado de tecidos (lençóis e cobertores), do qual emerge o rosto invertido
do retratad0, olhando para trás. Em primeiro plano, um triângulo de soalho, de
luzes baixas, onde brilham sapatos negros.
Numa e noutra imagem o fotógrafo introduziu factores inesperados corrigindo a
ordem ou a desordem excessivas. As cabeças dos retratados são, por assim dizer,
máscaras e contrapontos, que nos remetem, tal como os sapatos de Colle, para
o vocabulário do surrealismo.
[R]
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