sábado, julho 29, 2006

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS [1]



[Ante-Scriptum]
Em tempo de guerra as actividades lúdicas, tal como as actividades artísticas, ganham
novos significados, tornam-se actividades contra-a-corrente.
De facto, que comportamento pode ter o cidadão comum que não seja, pacíficamente,
o de fazer guerra à guerra?

Duas fotografias, dois fotógrafos, duas nacionalidades, dois artistas famosos nos seus
estúdios. Com semelhanças e com diferenças. Quais serão?
(clickar imagens para ver tamanho ampliado)

Após uma curta ausência para descansar, seguirão as legendas. Lá para 3ª feira.
[R]

Fotografia > Arnaldo Fonseca (1868-1936?), Portugal
> Raphael Bordallo Pinheiro no seu estúdio, Caldas da Rainha, s/d (c.1900)

(foto © FH/CRO)

Fotografia > Edward Steichen (1879-1973), Luxemburgo/EUA
> Henri Matisse et "La Serpentine", Paris, 1909
(foto © FH/CRO)

[Adenda > 7.8.2006]
Post completado ao ritmo das férias:
Bordallo e Matisse,
ambos de bata branca, olham atentamente as suas obras tendo
na mão o teque com o qual aparentemente se propõem executar retoques finais.

E ambos posam para a fotografia encenando esse momento do trabalho em que um
artista, carregando
quase sempre a dúvida, se prepara para dizer a si próprio: "já
chega, está pronto!".


Também se verificam algumas semelhanças de composição fotográfica- vejam-se as
oblíquas, a partir do topo das peças seguindo até à cabeça e costas dos artistas. As
duas imagens denunciam, porém, formações estéticas
diferentes, intensionalidades

diferentes do olhar fotográfico:
-- o olhar documentalista de Arnaldo Fonseca, que retrata Bordallo à distância,
mostrando também o atelier de cerâmica com as múltiplas geometrias do espaço
envolvente, e as bizarras relações de escala entre o artista e a sua obra (como se esta
fosse um bibelot gigante)
;
-- o olhar pictorialista de Edward Steichen, que retrata Matisse numa perspectiva
mais próxima, o homem e a escultura ocupando o espaço todo, concentrando-se o
fotógrafo no rosto fortemente iluminado de Matisse que, por sua vez, concentra o seu
olhar na zona do sexo (que nós não vemos)
da estatueta feminina, ídolo que se
agiganta, revelando-nos simultâneamente a enigmática tensão entre arte e eros.


No campo editorial, as duas imagens tiveram destinos obviamente diferentes:
-- o retrato de Bordallo, por Arnaldo Fonseca, supostamente
manteve-se inédito até
agora, não aparecendo na extensa fotobiografia publicada por ocasião do centenário
da morte do artista (João Paulo Cotrim, Rafael Bordalo Pinheiro - Fotobiografia,
ed. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005);
-- o retrato de Matisse, por Steichen, foi publicado em Nova Iorque pela célebre
revista de Alfred Stieglitz, Camera Work (nº42/43, 1913), tendo sido inclusivamente reproduzida por Beaumont Newhall em The History of Photography (1982).
[R]

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quinta-feira, julho 27, 2006

INSÓNIA



É tempo de lembrar no Ultraperiférico o trabalho insone de Henrique Fialho e o
seu contributo esclarecido e crítico para uma lusosfera luminosa, contra a frivolidade
de pelo menos meio-país, que se passeia sem ideias e sem causas.
Nesta vasta antologiadoesquecimento.blogspot.com, merece visita prolongada
e participação activa o recente post em que se discute o papel dos poetas na sociedade contemporânea: O Meu Cinzeiro Azul #47.
[R]

Fotografia > Horácio Novais (1910-1988), Portugal
> Nocturno, s/d (déc.1960), (foto © FH/CRO).

Figura quase esquecida da fotografia portuguesa, Horácio Novais foi membro de
uma destacada família de fotógrafos, com actividade em Lisboa desde o último quartel
do século XIX. Era filho do retratista Júlio Novaes (1867-1925), sobrinho
de
Eduardo Novaes
(1857-1919), também retratista,
e de António Novaes (1855-
1940), um pioneiro da fotografia de reportagem,
e irmão de Mário Novais (1899-
1970), documentalista do património artístico com trabalho reconhecido na
área da reprodução de obras de arte.
Não se conhece a Horácio Novais a propensão para projectos artísticos nem de
afirmação autoral, tendo desenvolvido a sua longa carreira profissional especializada
no campo da fotografia documental da arquitectura e da paisagem urbana. Contudo,
o seu "saber fazer" deveria tê-lo colocado entre
os principais fotógrafos do país.
Nunca se fez sobre a obra de Horácio Novais nenhum estudo aprofundado, nenhuma
exposição, nenhuma antologia, nenhuma publicação. E no entanto, o seu estúdio do
Bairro Alto manteve actividade após a sua morte em 1988, sendo continuado por um
seu colaborador até 1997.
Este Nocturno, rigoroso e límpido, mostra que quem fotografou conhecia o fulgor
da noite. É mais do que um registo fotográfico, mais do que um documento. Não foi
possível confirmar se o local fotografado é a Piscina Municipal de Évora. Bem vistas

as coisas, não é essencial saber.

(Nota) O apelido Novaes apresenta a ortografia da época, em conformidade com as
biografias existentes dos membros mais antigos da família, e a ortografia actualizada no
caso dos irmãos Horácio e Mário Novais, de acordo com os próprios.
[R]

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terça-feira, julho 25, 2006

[citação 06]
CANTARTE HEI, GALICIA




Cantarte hei, Galicia,
teus dulces cantares,
que así mo pediron
na beira do mare.
Cantarte hei, Galicia,
na lengua gallega,
consolo dos males,
alivio das penas.

Poema > Rosalia de Castro (1837-1885), Galiza

> in A Rosa dos Claustros, ed. Crisálida, 2004 (colectânia galego-portuguesa)

Pintura > Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), Portugal
> Entrada, 1917 (Col. Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian)

25 de Julho, assinalando o Dia da Pátria Galega.

[P]

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sexta-feira, julho 21, 2006

TRAUMAS DO IMPÉRIO



Ainda na sequência do post anterior, e de novo motivado por um texto de Carlos
Manuel Castro (CMC), no Tugir:

Os traumas do império, a meu ver, têm como pressuposto histórico o seguinte
estereótipo: "Portugal é um país pequeno e pobre". Salazar usou e abusou
desta ideia para justificar as suas posições racistas e colonialistas. Como se a
existência de Portugal enquanto nação dependesse dos territórios ultramarinos.
Acontece que Portugal não é um país pequeno e pobre: "pequeno e pobre" são
adjectivos aplicáveis, isso sim, à nossa realidade cultural (ultra)periférica e aos
seus agentes, incluindo certas elites, supostamente cultas, próximas dos poderes
políticos, empresariais e universitários.
Acontece também que "pequeno e pobre" são adjectivos estiolantes,
mesquinhos
e localistas,
que enfermam do vício de comparação com os vizinhos grandes e ricos.
Porque é que não nos comparamos com a Bélgica, a Holanda, a
Dinamarca, a Suíça,
que são países mais pequenos que Portugal?
Durante quase todo o século XX exportámos para o Brasil esse miserabilismo. E
como ninguém gosta de ser filho de gente miserável, não podemos admirar-nos que
até a língua portuguesa que o Brasil fala, seja posta em causa por alguns brasileiros.
O motivo porque vale a pena reflectir sobre traumas, parece-me, não se prende
apenas com a situação actual de Portugal face à lusofonia, mas também com a
necessidade de enfrentar uma crise que, sendo económica, tem atrás de si uma
crise de valores doméstica. Basta lembrar que no período de meio século em que
o mundo se transformava inexoravelmente (no sentido civilizacional), Portugal se
mantinha "orgulhosamente só".
Entre exageros épicos do país que "deu novos mundos ao mundo" e a depressão
provocada pela tardia queda do império colonial, com as trágicas consequências
da descolonização, havemos de saber cuidar da democracia, deixando-nos de
queixumes e arregaçando as mangas.
[R]

Fotografia > Anónimo, Portugal (Moçambique)
> Retrato (c.1910), (foto © FH/CRO)

Um poderoso retrato de estúdio, sem preocupações etnográficas, possivelmente
executado por J. & M. Lazarus, fotógrafos iniciados em finais do século XIX na
cidade de Barberton (África do Sul), posteriormente com importantes estúdios em
Lourenço Marques e na Beira, antes de se mudarem definitivamente para Lisboa
na década de 1910.
O retratado, talvez um feiticeiro do sul de Moçambique, exibe no vestuário sinais
de europeização, mas na atitude e nos adornos permanecem os símbolos de uma
cultura africana ancestral.
[R]

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terça-feira, julho 18, 2006

CPLP



Na sequência da recente cimeira da CPLP em Bissau, na qual o presidente brasileiro
Lula da Silva não se fez representar, veja-se o Tugir.

O problema das relações de Portugal com as suas antigas colónias, incluindo o Brasil,
parece-me ser prévio às questões multilaterais no âmbito da CPLP. Trata-se, a meu
ver, de um problema estrutural das relações do Estado português com cada um
dos Estados desta organização, particularmente com os africanos. É que Portugal não
tem sabido assumir a sua vocação como referência histórica comum, nem no campo
da difusão da língua portuguesa nem noutros sectores da cultura e das artes. Os
Centros Culturais Portugueses mantêm uma presença algo envergonhada nas
capitais lusófonas, enquanto a actividade cultural dos países lusófonos continua com
baixos níveis de visibilidade entre nós.
Em síntese: Ainda que alguma coisa vá sendo feita, Portugal não cumpre as suas
obrigações para com os povos que colonizou.
E curiosamente, verificamos que o estreitamento dos laços culturais, em vez de
corresponder a projectos estratégicos neste campo, resulta mais dos acasos de um
qualquer campeonato de futebol. Fica barato, lá isso fica, mas empobrece outros
entendimentos.
Quanto ao Brasil, que criou recentemente na cidade de São Paulo um grande Museu
da Língua Portuguesa
, o que lhe falta como denominador comum, afinal não lhe
falta como estratégia. E sem precisar de alianças com o distante pater português.
(R)

(Adenda > 20.07.06)
Sobre este assunto, ver novos desenvolvimentos (em actualização), também no Tugir:
A FRAQUEZA DA CPLP > tugir.blogspot.com/2006/07/0_115331091547912967.html
SEMPRE HÁ INTERESSE > tugir.blogspot.com/2006/07/0_115335415586046864.html
LUSOFONIA - TRAUMAS > tugir.blogspot.com/2006/07/0_115342947287644691.html
(R)

Fotografia > Mário Cardoso
> Exposição do Mundo Português - Secção Colonial, 1940 (foto © FH/CRO)
(R)

segunda-feira, julho 17, 2006

6 MESES



O Ultraperiferico faz hoje seis meses. É menos que sete mas é mais que cinco. Feitas
as contas já é alguma coisinha, até porque temos a humilde e nada ingénua (nadinha!)
pretensão de salvar a humanidade, tal como tantos outros blogues de quem nos sentimos companheiros de viagem.
Continuaremos a bocejar de indiferença perante a notícia efémera, e a insistir numa
actualidade distanciada daquilo que as agendas mediáticas dominantes decidam que é
"a notícia do dia", quantas e quantas vezes para nos distrair. Alguns dos nossos textos
são longos, e muitos dos temas são contra a corrente. Paciência!
Gostamos de pensar que a nossa caixa de comentários é um espaço de diálogo e debate.
E cá vamos nós a caminho do sétimo mês!
(P)

Pintura > Jorge Martins (n.1930)
> Instalação, 1993
(R)

sábado, julho 15, 2006

NOZOLINO



Paulo Nozolino (n.1955) vai receber este ano o Prémio Nacional de Fotografia.
Trata-se de um prémio de carreira, bienal, que foi criado em 1999 pelo Ministério da
Cultura/CPF, tendo sido atribuído nas duas anteriores edições aos "históricos" Victor
Palla (1922-2006), em 1999, e Fernando Lemos (n.1926), em 2001.
Registe-se que desta vez o prémio distingue (após um interregno de cinco anos), um
artista de geração mais recente, mantendo como motivação destacar autores com obra fotográfica de carácter inovador e sentido experimental.
[R]

[Adenda]
Sobre a pertinência dos prémios e sobre "fotógrafos artistas" ou "artistas fotógrafos"
ver aqui.

[Adenda > 17.07.06]
Seguindo os conselhos do refrescante Adufe, passamos a aconselhar um click na
fotografia de Paulo Nozolino.
E a propósito de Nozolino, será que o calor destes dias amoleceu a blogosfera a tal
ponto que até nos impede de congratularmos o fotógrafo pelo reconhecimento
nacional do seu notável percurso artístico?

Fotografia > Paulo Nozolino (n.1955)
> Lagos, 1979 (Col. Encontros de Fotografia/CAV, Coimbra)

A fotografia deste post, diferente das imagens de negros profundos a que Nozolino
nos habituou, assinala a fase inicial da carreira do autor e, simultâneamente,
os
célebres Encontros de Fotografia de Coimbra, que na sua primeira edição, em 1980,
o lançaram públicamente numa exposição colectiva.

[R]

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quinta-feira, julho 13, 2006

[citação 05]
ERA UMA VEZ




Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe
vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela
sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a
partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó
desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe.
Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido à
chegada do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o
quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia
o que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os
elementos do problema constituíam-se na observação dos
factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor
- sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro, através
do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um
abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando
assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe,
efectuando um número de mágica, mostrava que existia
apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como
o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um
peixe amarelo.


Texto/Citação > Herberto Helder (n.1930), Portugal
> Teoria das Cores, in "Os Passos em volta", ed. Assírio e Alvim (8ª Edição), Lisboa,
2001 (texto publicado inicialmente em 1962, com alterações em edições posteriores)

Fotografia > Brassaï ?, França
> Les mains de Pablo Picasso, s/d (c. 1950), (foto © FH/CRO)

Fotografia transitóriamente atribuída a Brassaï (Gyula Halasz, 1899-1984), francês
de origem húngara, que publicou n
o livro Conversations avec Picasso (1964) uma
série de fotografias de Pablo Picasso (1881-1973), incluindo uma outra fotografia das
mãos deste artista.
[R]

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