quinta-feira, maio 04, 2006

POR FALAR EM FASCISMO...



No rescaldo das comemorações do 25 de Abril, Carlos Guimarães Pinto, no blogue Licenciosidades, intitulou Vamos lá ver se é desta que me chamam fascista,
um artigo sobre o crescimento da economia portuguesa nos últimos dez anos da
ditadura, concluindo que "Salazar e o seu regime podem ser acusados de ofender
muitas liberdades individuais e económicas, mas do que não podem ser acusados
é de serem causadores do nosso atraso. Até me atrevo a dizer que sem o suporte
da herança da prosperidade do Estado Novo, dificilmente o regime democrático
saído do 25 de Abril se teria aguentado".

A propósito do atraso do país e das políticas económicas do salazarismo, sobretudo o
crescimento do PIB na década anterior ao 25 de Abril, convém lembrar que só uma
leitura sistémica dos factos pode esclarecer-nos, conjugando diferentes variáveis.
Este é o ponto de partida para uma análise correcta, sob pena de fazermos certas
interpretações à medida de convicções pessoais.
Para se compreender o crescimento, que não o desenvolvimento, da economia
portuguesa nos anos 60, é desde logo indispensável ter em conta que se vivia numa
sociedade fechada e proteccionista, que impôs inclusivamente a célebre lei do
condicionamento industrial, limitadora da concorrência e, portanto, da inovação.
As colónias portuguesas possibilitaram a criação de novos mercados. As remessas
dos emigrantes e a crescente importância do turismo, possibilitaram a realização
de obras públicas. O resto dos recursos alimentavam o esforço de guerra que o país
manteve até Abril de 1974, quando os outros países já tinham efectuado a sua
descolonização. O crescimento fez-se com pessoas que não podiam reclamar os seus
direitos quanto a salários ou outras condições de trabalho. Era a época em que
Portugal concorria com os seus produtos tradicionais, a partir de baixos salários e
com uma mão-de-obra pouco ou nada qualificada.
Basta ver o exemplo da China ou da Índia, que são actualmente das economias
com maiores taxas de crescimento a nível mundial, sem que exista um
desenvolvimento sustentado com reflexos na qualidade de vida das populações.

A direcção do país era unipessoal. As últimas gerações de portugueses cresceram
com medo de aprender, de debater, de afirmar a diferença, de inovar. Cresceram na
reverência a quem lhes podia conceder direitos. Isso gerou temor e submissão e uma
revolta contida. Por alguma razão, em 1927, num debate parlamentar, alguém que
se opunha à generalização da escolaridade básica a toda a população, afirmava que
"a parte mais nobre e mais saudável da alma portuguesa, são os 70 % de
analfabetos", que então existiam. É bom lembrar, sem ironia, que naquela época,
o PIB cresceu com estes analfabetos tal como cresce na Índia ou na China.
Ainda assim, as gerações anteriores a 1974 legaram-nos nos uma história, a dignidade
de sermos portugueses, possibilitando debates, escolhas e a melhoria da generalidade
dos indicadores económicos e sociais, como recentemente analisou António Barreto
numa compilação de dados estatísticos.
Trabalhemos então para que "a parte mais nobre e mais saudável da alma portuguesa"
seja cada vez mais um povo culto e participativo que se orgulhe da sua identidade e
da sua história, mesmo quando esta conheceu momentos colectivos mais sombrios.
(K)

Fotografia > Anónimo
> Operário, déc. 1920?, EUA? (foto © FH/CRO)

Esta fotografia anónima e sem qualquer referência a local e data, sugere-nos de
algum modo
o documentalismo social da fotografia americana. Através do vestuário
e do ambiente mecanizado, lembra
também a célebre imagem de Lewis Hine,
Powerhouse Mechanic (1920), um dos maiores ícones
de sempre da fotografia do
trabalho. No entanto, esse vigoroso trabalhador americano captado por Hine em
plena acção,
diferencia-se do nosso esgotado Operário, cuja figura elegante e
submissa aparenta
resultar de uma encenação fotográfica.
(R)

5 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Finalmente Katrola, um post! Esperamos continuidade. Abraço.

04 maio, 2006 02:38  
Blogger Carlos Guimarães Pinto escreveu...

"Este é o ponto de partida para uma análise correcta, sob pena de fazermos certas
interpretações à medida de convicções pessoais."
Aqui é ao contrário. Eu sou um democrata, um anti-fascista. Se enviezasse a minha análise pelas minhas convicções pessoais, não chegaria às conclusões que cheguei.

" desde logo indispensável ter em conta que se vivia numa
sociedade fechada e proteccionista"
Isso só contribui para a estagnação económica e não para o desenvolvimento. Estas medidas foram anuladas nos anos 60 e 70. Lembro que Portugal foi um dos países fundadores da EFTA.

"As colónias portuguesas possibilitaram a criação de novos mercados"
as colónias já existiam antes do Estado Novo. até aqui nada de novo.

"Era a época em que
Portugal concorria com os seus produtos tradicionais, a partir de baixos salários e
com uma mão-de-obra pouco ou nada qualificada."
Era e continuou a ser bem depois de acabar o estado novo.

"Basta ver o exemplo da China ou da Índia, que são actualmente das economias
com maiores taxas de crescimento a nível mundial, sem que exista um
desenvolvimento sustentado com reflexos na qualidade de vida das populações."
Experimente ir lá vêr. Eu trabalhei na Índia durante seis meses e apercebi-me bem das profundas alterações que estão a ocorrer por via do progresso económico.

Mais uma vez peço-lhe que faça a análise em termos dinâmicos. Compare o estado da economia em 1928 e em 1974.. Depois compare o estado da economia em 1974 e em 1985. É um facto aceite entre os historiadores da economia portuguesa que os períodos de maior aproximação aos níveis europeus foram a década de 60 até 74 e o período pós-adesão à CEE até 98.

04 maio, 2006 16:27  
Anonymous Anónimo escreveu...

Com toda a franqueza,a questão do "progresso económico" já está mais que arrumada. Há muito tempo que se sabe que este não assegura a evolução das sociedades e nem sequer das economias, numa perspectiva de desenvolvimento sustentado. Por outras palavras, amealhar uns dinheiros é bom, mas melhor é criar as estruturas sociais, culturais, económicas - civilzacionais, sim, como diz o Roteia - que permitem a sustentatbilidade e a capacidade de adapatação dos sistemas à mudança. Quantos regimes conseguiram assegurar um grande progresso económico, no sentido estrito, como aconteceu hipoteticamente no Estado Novo, sem, no entanto, conseguirem um nível de desenvolvimento que lhes permitisse aguentar o impacto de uma mudança das circunstâncias? Aconteceu no fascismo português como no comunismo russo, por exemplo. O paternalismo do Estado infantiliza os povos. Tivemos muito peixe mas herdámos muito poucas canas para pescar.O PIB era alto? Era. Mas os mecanismos de sustentabilidade e desenvolvimento (as canas) não foram criados.O estado Novo deu-nos, portanto um progressinho modesto, condenado ao curto prazo. Big deal...

04 maio, 2006 18:57  
Anonymous Anónimo escreveu...

Pois é, a Ferma é objectiva e pertinente no seu comentário. O Karloos vem agora referir os historiadores da economia portuguesa para manter o seu ponto de vista e o tema do PIB. Recordo-lhe, Karloos, que mais importante que o tema é a perspectiva. Você insiste no PIB e eu insisto no OUTRO produto interno, mas menos bruto: PIC, produto interno cultural. Uff! Quero acreditar que estamos de acordo!

04 maio, 2006 22:59  
Blogger Carlos Guimarães Pinto escreveu...

Propranol, já disse antes que concordo consigo. Também concordo com a maioria das coisas que a ferma diz, embora não desvalorize tanto como ela o progresso económico. Discordo ainda quando diz que tivemos muito peixe mas poucas canas; a situação foi exactamente a oposta: havia pouco peixe e muita cana. Tantas canas que até deu para pescar o suficiente para alimentar o país na instabilidade pós-revolucionária.
Penso que estamos já a uma distância suficientemente grande para poder analisar estas coisas de forma imparcial. Saber apontar os defeitos do regime pós-revolução e elogiar o pouco que houver para elogiar no regime do Estado Novo.

05 maio, 2006 01:21  

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