terça-feira, março 21, 2006

HOMENS QUE SÃO COMO LUGARES MAL SITUADOS



(...)
As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo,
As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.

É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas

Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos - nos pescoços das mães - ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos

As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.



(...)
Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar
(...)

> Daniel Faria (1971-1999)
Dois excertos do livro Homens que são como lugares mal situados, Porto, 1998

> José M. Rodrigues (n.1951)
Duas fotografias da série Solo, 2005
(R)

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2 Comentários:

Blogger António Ferra escreveu...

É bom ver fotografias do José Manuel Rodrigues a ocupar os lugares a que tem direito. Encontro sempre cantinhos novos quando as revejo.
E já agora, viva a velha antologia de poesia concreta, que na devida altura marcou o seu espaço (e também veio recentemente visitar o meu blog, entre parêntesis...)
saudações do
António

23 março, 2006 15:41  
Blogger R.O. escreveu...

Pois António, sobre tantas coisas é preciso lembrar, divulgar. A distracção no que diz respeito ao essencial parece crescer nesta terra ultraperiférica.
A poesia experimental, décadas depois da pujança com que nasceu e foi antologizada, continua esquecida. O trabalho a fazer agora seria enorme, mas daria uma magnífica exposição...

25 março, 2006 04:54  

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