quinta-feira, julho 13, 2006

[citação 05]
ERA UMA VEZ




Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe
vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela
sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a
partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó
desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe.
Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido à
chegada do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o
quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia
o que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os
elementos do problema constituíam-se na observação dos
factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor
- sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro, através
do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um
abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando
assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe,
efectuando um número de mágica, mostrava que existia
apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como
o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um
peixe amarelo.


Texto/Citação > Herberto Helder (n.1930), Portugal
> Teoria das Cores, in "Os Passos em volta", ed. Assírio e Alvim (8ª Edição), Lisboa,
2001 (texto publicado inicialmente em 1962, com alterações em edições posteriores)

Fotografia > Brassaï ?, França
> Les mains de Pablo Picasso, s/d (c. 1950), (foto © FH/CRO)

Fotografia transitóriamente atribuída a Brassaï (Gyula Halasz, 1899-1984), francês
de origem húngara, que publicou n
o livro Conversations avec Picasso (1964) uma
série de fotografias de Pablo Picasso (1881-1973), incluindo uma outra fotografia das
mãos deste artista.
[R]

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7 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

A mais bela definição de arte com que o Ultra poderia ter-nos presenteado.
E por falar nisso, aproveito para lembrar os nomes portugueses abolutamente não periféricos que por este blog têm passado. Aqui fica em homenagem e agradecimento ao Ultra. A lista não é exaustiva, mas dá uma ideia...
Soares dos Reis
Álvaro Lapa
José Manuel Rodrigues
Domingos Alvão
Paula Rego
Mariana Castro
José Luis Neto
Helena Almeida
António Palolo
Gérard Castello-Lopes
Fernando Lemos
Manuel Zimbro
Vítor Palla
Manuel Costa Martins
António Dacosta
Agostinho da Silva
Daniel Faria
António Aragão
E.M. Mello e Castro
Ana Haterly
Mário de Sá-Carneiro
José Gil
Vergílio Ferreira
António Sena

Continua...

14 julho, 2006 18:12  
Anonymous Anónimo escreveu...

E, claro, o incontornável Herberto Helder...

14 julho, 2006 18:13  
Anonymous Anónimo escreveu...

Vou só juntar uma pequena frase do senhor Miles Davis, a propósito da sua própra forma de arte, a música:
"Don't play what's there, play what's not there". ´´Ea história do peixinho vermelho, não é?

P.S. Esta e outras do Miles no Rather Cynical (o blog)

14 julho, 2006 18:28  
Anonymous Anónimo escreveu...

Caríssima Bolota:
Sê bem vinda à caixa de comentários do Ultraperiférico, pelo menos enquanto não te decides pela tão aguardada colaboração em forma de post.
Estou grato pelas tuas palavras... e que boa ideia me deste com a listagem de nomes. Colocá-la-ei na coluna lateral com ligações às postagens.
Já agora, acrescento outros nomes a juntar aos que já inventariaste:
> José de Almada Negreiros
> Paulo Baptista
> Paulo Varela Gomes
> Manuel Maria Carrilho
> João Martins
> Jorge Sampaio
> José Artur Leitão Bárcea
> Horácio Novais
> Eduardo Nogueira
> Eduardo Portugal

14 julho, 2006 19:01  
Anonymous Anónimo escreveu...

Três comentários seguidos da Bolota?! De facto, como se diz, não há fome que não dê em fartura.
Como só vi o 3º comentário após o lançamento da minha resposta, aproveito agora para dizer que este poema em prosa do Herberto Helder é desde há vários anos um dos textos da minha vida, e o próprio autor é também um dos poetas que mais admiro.
Abraços.

14 julho, 2006 19:14  
Anonymous Anónimo escreveu...

Realmente é um texto que marca, remete-nos para a simplicidade incontornável das coisas... através da profundidade imensa das palavras.
já agora gostava de deixar um pequeno parágrafo relacionado com conversas de restaurante..."Amor y poesia están misteriosamente unidos porque ambos son deseo de expresarse, de decir, de comunicar, no importa con quién, un deseo orgiástico, que no tiene equivalentes..." in "El oficio de vivir", Cesare Pavese

15 julho, 2006 11:14  
Anonymous Anónimo escreveu...

É um facto que a poesia, também no seu étimo grego "poiesis" (acção, criação, fabricação, um saber fazer bem feito) é indissociável do amor, e ambas, poesia e amor, indissociáveis do desejo e da entrega, como sugere o texto de Pavese citado por Anónimo.
De resto, as componentes poesia e amor são também comuns a todas as expressões criativas, tanto nos domínios da arte como da ciência.

(E a identidade deste Anónimo - nome ou pseudónimo - não se pode saber ou tem que se adivinhar?)

15 julho, 2006 12:56  

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