sexta-feira, julho 21, 2006

TRAUMAS DO IMPÉRIO



Ainda na sequência do post anterior, e de novo motivado por um texto de Carlos
Manuel Castro (CMC), no Tugir:

Os traumas do império, a meu ver, têm como pressuposto histórico o seguinte
estereótipo: "Portugal é um país pequeno e pobre". Salazar usou e abusou
desta ideia para justificar as suas posições racistas e colonialistas. Como se a
existência de Portugal enquanto nação dependesse dos territórios ultramarinos.
Acontece que Portugal não é um país pequeno e pobre: "pequeno e pobre" são
adjectivos aplicáveis, isso sim, à nossa realidade cultural (ultra)periférica e aos
seus agentes, incluindo certas elites, supostamente cultas, próximas dos poderes
políticos, empresariais e universitários.
Acontece também que "pequeno e pobre" são adjectivos estiolantes,
mesquinhos
e localistas,
que enfermam do vício de comparação com os vizinhos grandes e ricos.
Porque é que não nos comparamos com a Bélgica, a Holanda, a
Dinamarca, a Suíça,
que são países mais pequenos que Portugal?
Durante quase todo o século XX exportámos para o Brasil esse miserabilismo. E
como ninguém gosta de ser filho de gente miserável, não podemos admirar-nos que
até a língua portuguesa que o Brasil fala, seja posta em causa por alguns brasileiros.
O motivo porque vale a pena reflectir sobre traumas, parece-me, não se prende
apenas com a situação actual de Portugal face à lusofonia, mas também com a
necessidade de enfrentar uma crise que, sendo económica, tem atrás de si uma
crise de valores doméstica. Basta lembrar que no período de meio século em que
o mundo se transformava inexoravelmente (no sentido civilizacional), Portugal se
mantinha "orgulhosamente só".
Entre exageros épicos do país que "deu novos mundos ao mundo" e a depressão
provocada pela tardia queda do império colonial, com as trágicas consequências
da descolonização, havemos de saber cuidar da democracia, deixando-nos de
queixumes e arregaçando as mangas.
[R]

Fotografia > Anónimo, Portugal (Moçambique)
> Retrato (c.1910), (foto © FH/CRO)

Um poderoso retrato de estúdio, sem preocupações etnográficas, possivelmente
executado por J. & M. Lazarus, fotógrafos iniciados em finais do século XIX na
cidade de Barberton (África do Sul), posteriormente com importantes estúdios em
Lourenço Marques e na Beira, antes de se mudarem definitivamente para Lisboa
na década de 1910.
O retratado, talvez um feiticeiro do sul de Moçambique, exibe no vestuário sinais
de europeização, mas na atitude e nos adornos permanecem os símbolos de uma
cultura africana ancestral.
[R]

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8 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Nada como combater esse estado de coisas, criando!
Embora uma parte das nossas "elites" lhes custe ver os seus territórios invadidos por "hordas de bárbaros mal-nascidos" que lhes estragam as vistas.
Criar para crescer e mudar!

21 julho, 2006 15:56  
Anonymous Anónimo escreveu...

Caro Mário:
É isso mesmo, criar! E acrescentaria préviamente, projectar!

21 julho, 2006 17:14  
Anonymous Anónimo escreveu...

Realmente é tudo culpa do Salazar, Portugal não é pequeno e nem pobre, é um país gigantesco, maior que os EUA, e o mais rico do mundo, enfim uma super-hiper-mega potência mundial. Só se faz de pobrezinho por culpa da grande modéstia tipica dos portugueses. Perdoem a ignorância dos brasileiros... Ah e aproveitando a oportunidade, eu já contei sobre os elefantes e hipopótomos cor-de-rosa que sobrevoam todos os dias Lisboa?

28 julho, 2006 02:51  
Anonymous Anónimo escreveu...

Respondo à eloquente ironia de Anónimo:

Salazar foi um santo homem, amante das liberdades, incapaz de manipular e perseguir. Foi também o primeiro dos líderes europeus a descolonizar. Ele tinha razão: democracia é peste.

Portugal é o país mais pequenino e mais pobrezinho do mundo inteiro. Exemplo: Além dos países citados no post, refiro o Luxemburgo, que tem para aí dobro ou o triplo do tamanho e da riqueza.

Não existe luxo em Portugal, nem ostentação, nem carros topo-de-gama. Nem economia paralela. Nem fuga ao fisco. Nem corrupção.

O debate em Portugal é elevadíssimo. As elites brilhantes. As nossas cidades fervilham de cosmopolitismo.

Os brasileiros não gostam de colonialistas, muito menos dos ingleses, espanhois, italianos, alemães, belgas ou holandeses. Não se cansam de repetir: Graças a Deus que fomos colonizados pelos
portugueses, "um povo assim di gentchi piquinininha, qui não faz sombra não".

Quanto a elefantes e hipopótamos voadores, só os tenho visto amarelos e pesados nas maravilhosas urbanizações da nossa capital. Mas se anónimamente alguém os viu cor-de-rosa, por favor, informe-nos da hora certa a que esvoaçam.
-

28 julho, 2006 12:19  
Anonymous Anónimo escreveu...

Eu àdórei o cóment dji meu càmàràda anônimo aí àtràiss, fàlando dji Sàlàzar e tau. Você isstà cóbérrrto dji ràzão, cara! Eu àdoro, eu amo o Bràsiu! Bràsiu é grandji, Brásiu tem tudo em grandji, grandji arranha-céu, grandji skyline, grandji shópping, grandji fàvela, grandji corrupção. Tudo em grandji, e nada dessa velharia que vocceiss têm aqui na Europa, nada dji muralha, fórrtàleza, càsstelo, pàlácio, convento, càtédrau. No Brasiu a gentji tem tudo novo, quando tem mais de dez anos, a gentji bota abaixo e faz de novo, sàcou? Eu amo o Bràsiu. Tá?
Ass: Wilson Jacarépaguá Pipiriri de Pópóróró.

28 julho, 2006 15:31  
Anonymous Anónimo escreveu...

Embora um pouco tardiamente (estive ausente por uns dias), não posso deixar de reflectir aqui sobre esta questão dos traumas...É que se os há em Portugal, eles não são menos visíveis no Brasil. Isto é, parece não haver grande correspondência entre as palavras emotivas de "Portugal no coração" e "povo irmão" e tal com que somos bafejados de cada vez que um artista brsileiro aqui promove o seu disco ou espectáculo ou telenovela e os comentários ressabiados que aqui em casa ou além Atlântico popularmente se fazem ouvir.

Quando convidada em casa de alguém não me passa pela cabeça dizer ao anfitrião que acho a sua habitação rasca. Por uma questão de educação.
No entanto, se já fizer parte dela e estiver a trabalhar no sentido de melhorá-la, o caso é diferente: ganho esse direito.

31 julho, 2006 11:51  
Blogger Isabela Figueiredo escreveu...

Muito interessante. Roubei-te a foto e guardei o texo nos meus favoritos. penso que não te importes. Caso conbtrário diz alguma coisa. É que também ando a escrever umas coisas sobre áfrica.

11 setembro, 2006 00:34  
Anonymous Anónimo escreveu...

Claro, Isabela. Não me importo, desde que texto e imagem sejam reproduzidos com indicação precisa da fonte, evidentemente. A fotografia é uma prova original, pertencente em exclusivo ao arquivo do Ultraperiférico, e por este motivo deve referenciar também o (foto © FH/CRO).

11 setembro, 2006 12:25  

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