sábado, fevereiro 11, 2006

CASCAS DE BANANA



No blog Os tempos que correm, Miguel Vale de Almeida escreveu um artigo intitulado Mediterrâneo que nos suscita um comentário alargado acerca do caso dos cartoons.

As liberdades de expressão e de informação de que o sistema democrático ocidental
faz tanto alarde não são intocáveis. Poder-se-á até argumentar que, apesar de tudo,
nenhum outro sistema lhe chega aos calcanhares. Porém, coloquemos o problema
deste modo (à maneira de um cartoonista): as liberdades têm vindo a transformar-se
num terreno minado por cascas de banana, no qual escorrega cada vez mais um
ocidente arrogante e auto-convencido.
As lideranças político-religiosas do mundo islâmico já perceberam que a nossa maior
força reside nos valores da liberdade e utilizam magistralmente as contradições do
sistema democrático, no qual tantas vezes à conta da liberdade se ocultam
irresponsabilidade e lucro. Não é verdade que as regras do mercado, dito livre,
vendem notícias como quem vende sabonetes?

Tanto faz que manifestemos ou não um repúdio sincero pela grotesca manipulação
das massas fanatizadas. Todos sabemos que os poderes se perpetuam pela
manipulação dos ideais religiosos ou, em sua substituição, por outros ideais ditos
nobres. Mas também sabemos que o Islão iconoclasta repudia a representação do
rosto de Deus. E sobrevive através disto mesmo, proibindo que a Imagem substitua
a Palavra.

Se alguma coisa existe de verdadeiramente preocupante no mundo dito civilizado,
é justamente a banalização da imagem. E eles sabem que nós comemos bandeiras
queimadas ao jantar dos telejornais.

Veja-se a propósito de imagens, os prémios anuais do World Press Photo, sempre
um sucesso estrondoso, feito em grande medida à custa das tragédias do 3º mundo.
Ou o miserabilismo lucrativo de Sebastião Salgado, com a agravante deste fotógrafo
se permitir colar ao seu talento a exploração do voyeurismo e a denúncia panfletária
das injustiças do mundo.
Lembremos a 1ª guerra do Iraque com os excitados directos do início de um perigo
então ainda mal conhecido. Ó glórias da tecnologia! Ó glórias da coragem na frente
de batalha! Ó estrondosa inovação da liberdade de informar! E quando falta matéria
pirotécnica, abre-se um telejornal com o caso do “neto que matou a avó à paulada”.

O jornalismo ocidental embarca na ideologia economicista como embarca em
qualquer tragédia descartável. Vende-se e pronto, cada um é livre de enriquecer…
Por detrás dos empregos nos órgãos de comunicação estão máquinas calculadoras,
interesses políticos e financeiros, todos respeitáveis e intocáveis. Vai daí a blogosfera,
autêntica alternativa potencial à inconsistência das liberdades de um certo jornalismo
(ó sacrossanta corporação!), também começa a render-se à agenda mediática.
Os jornalistas entram em massa na blogosfera e a coisa não melhora. Felizmente
há excepções, esperemos que se multipliquem.

E nós por cá, ultraperiféricos? Não fomos já dominados pelo sábios do Islão? Não
temos ainda, na língua e nos costumes a herança árabe? Não tarda nada ainda
acabamos a precisar de ditadores. Ou salvadores de pátrias e de bons costumes.

Saudações ultraperiféricas.
[R]

Fotografia > Foto Camacho,
> Açoteias, Olhão, 1966 (foto © FC/CRO)
[R]

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2 Comentários:

Blogger João Dias escreveu...

Certeiro este post, de facto a imprensa tem invocado a liberdade expressão sem contemporizar a liberdade dos outros.
Em relação ao voyeurismo existem aspectos sórdidos nesta corrente silenciosa que domina a actualidade.
O voyeurismo mostra-nos a podridão, comove-nos mas não actua, e assume uma postura de biólogo que observa o mundo selvagem não querendo "interferir no curso natural das coisas".
Só que o curso das coisas é tudo menos natural, sendo que o Ocidente toma papel activo em termos de política externa, não baseado por princípios mas no sentido de condicionar a estrutura que melhor sirva os seus interesses economicistas, se for uma ditadura ou uma democracia tanto faz.

Aliás as explicações que têm surgido para este imbróglio reforçam a teoria da casca de banana, sendo que a explicação que conheço é que Ahmed Akkari (libanês naturalizado dinamarquês) difundiu ele próprio 3 cartoons realmente ofensivos (o profeta com cara de porco) e que terá sido tudo planeado numa altura em que surgiam movimentos de descontentamento para com a falta de democracia no Islão (não é propriamente um território bem definido eu sei).

No entanto penso que pouca gente aponta soluções, parece algo difícil resolver este imbróglio sem que seja pelo esquecimento, isto porque não me parece que seja aceitável aceder aos pedidos de censura, apesar dos editores serem despedidos (mais por pressões económicas que éticas), mas também não me parece razoável tentar focalizar as reacções negativas do mundo Islâmico.

11 fevereiro, 2006 22:24  
Anonymous Anónimo escreveu...

Caro João: A compelexidade da situação reside, como diz, nas soluções que não são avançadas.
Por outro lado, há poucas horas atrás, ouvi a notícia de que os EUA planeiam invadir o Irão.
Mais um plano inteligente do governo Bush para resolver os problemas, não acha?

13 fevereiro, 2006 03:01  

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