segunda-feira, outubro 08, 2007

POLÉMICA NO MUSEU



Em entrevista recente de Paulo Henriques ao Diário de Notícias, este jornal destaca
em título: "O Museu de Arte Antiga não tinha plano de exposições para
2008
". As surpreendentes declarações do novo director do MNAA sobre a gestão
da sua antecessora foram praticamente ignoradas nos media e na blogosfera, os
mesmos que há apenas dois meses tanto se indignavam pela não-recondução de
Dalila Rodrigues, acusando os responsáveis do Ministério da Cultura de saneamento
ideológico e desprezo pela competência.
Para além dos problemas da programação temporária, vale a pena reter outros
aspectos da entrevista em que Paulo Henriques, um mês após assumir o cargo, faz
questão de se demarcar da gestão de Dalila, propondo um novo estilo de direcção, nomeadamente reestruturando a exposição permanente. Adverte porém: "Não
esperem de
mim que comece a desmanchar só para mudar". A anunciada criação
de um conselho consultivo do MNAA e o propósito de aprofundar a investigação
sobre colecções e reservas, são ainda aspectos a destacar da entrevista.
Tal como se assinalou aqui, a mediatização do caso Dalila podia ter sido uma boa
oportunidade para debater e questionar as políticas museológicas do Estado e os
problemas do principal museu nacional. No entanto, esperemos que nem tudo se
tenha perdido, que desta vez os assuntos de política cultural deixem de ser tratados
com a habitual ligeireza, e que a politiquice e a exploração dos escândalos de ocasião
deixem de se sobrepor ao interesse público.
Algo não bate certo e a situação deve considerar-se grave, visto que, como é sabido,
os projectos expositivos de um grande museu são planeados a longo prazo, por vezes
a um ou mais anos de antecedência. Aquilo de que este caso parece ser sintomático,
é terem sido as manobras de bastidores a comandar os acontecimentos. Se Dalila
Rodrigues não deixou no MNAA um plano completo de exposições, estando apenas
prevista uma exposição de escultura contemporânea para 2008, como explicar as
declarações ao semanário Sol, uma semana antes de lhe ter sido comunicado o fim da
sua comissão de serviço: "Sobre o futuro, Dalila Rodrigues afirmou que tem
a programação de 2008 fechada, mas não tem a garantia de que ela se vá concretizar, já que a aprovação da dotação orçamental para o museu só acontecerá em Janeiro
".
Depois das declarações de Paulo Henriques, podemos conjecturar se Dalila teria um
plano secreto de programação. Ou se teria anulado contratos e projectos antes da sua
saída, para não favorecer o sucessor. Ou se nunca chegou a existir um verdadeiro
plano. Ou se, tendo a certeza antecipada de que não iria ser reconduzida, não quis
empenhar-se na programação. Porém, seria difícil prejudicar desse modo o MNAA,
dispondo este de uma equipa residente de conservadores e técnicos de museologia,
tal como seria difícil encenar um "estado de choque" após o seu afastamento da
instituição.
Afinal, a quem compete esclarecer a verdade? Porquê, o silêncio de Dalila?
[R]

Pintura > Jacopo da Pontormo (1494-1557), Itália
>
Alessandro de Medici (pormenor), c. 1535. Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga.
[R]

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13 Comentários:

Blogger A Lusitânia escreveu...

Pois, na senda da divulgação do "Alentejo da minha Alma", venho dar-vos conta da exposição na Fundação Eugénio d'Almeida; do prémio dos "Jovens artistas" que se entrega hoje na Fundação António Prates em Ponte de Sôr. E mandar-vos o alento das "Mulheresaoluar" para continuarem com a qualidade que vos caracteriza.

11 outubro, 2007 16:08  
Anonymous Anónimo escreveu...

Certos órgãos de informação (?) nacionais já decidiram que este assunto está encerrado. Com a excitabilidade que os caracteriza, andaram frenéticos durante alguns dias a "fazer a cabeça" dos cidadãos, para fazer passar a mensagem que decidiram impor à opinião pública. Não é nada surpreendente, já estamos habituados. Pessoalmente, peço licença para considerar a entrevista a Paulo Henriques como fulcral no esclarecimento que a comunicação social tem o dever de promover numa questão que exigiria a maior atenção.

12 outubro, 2007 03:23  
Anonymous Anónimo escreveu...

Mena:
Gratos, mais uma vez.

Vreemde vogel:
Tocou no ponto. Depois de tanto se ter falado do Museu Nacional de Arte Antiga a propósito da saída de Dalila, parece que o maior museu do país é, afinal, o que menos interessa. Provável é que a senhora passe em definitivo à canonização.

12 outubro, 2007 05:19  
Anonymous Anónimo escreveu...

Faz impressão, não faz? O grau de auto-desresponsabilização a que se assiste como se de algo natural e saudável se tratasse...Mas não só por parte da comunicação social. Parte da mentalidade lusa padece desta doença cultural e social que é admitir que em caso de impasse a responsabilidade é "deles" - o Estado, o Governo, os dirigentes, o partido, enfim uma outra entidade colectiva e mais ou menos abstracta (ou então, variante interessante,a culpa é de apenas um (a ministra da cultura, a ministra da educação, etc.). Neste cenário, o indivíduo descarta-se cómodamente das implicações dos seus actos e das suas afirmações. Assim foi com Dalila, que se revelou desapontadoramente "massificada" neste seu comportamento.
Para a comunicação social terminou o fait-divers. Não há notícia, portanto.

12 outubro, 2007 15:46  
Anonymous Anónimo escreveu...

Bala:
Pois, já gastei a expressão Bala certeira, agora digo Bala indispensável. Retenho a questão da "mentalidade lusa", porque na verdade os jornalistas, os políticos e todos nós, em cada profissão, antes de sermos aquilo que fazemos, somos de onde viemos, somos de facto portugueses. Para o bem e (tão frequentemente) para o mal.

12 outubro, 2007 16:27  
Blogger maria escreveu...

Também li essa entrevista mais no sentido de conhecer um pouco a pessoa que é o novo director, fiquei admirada com a questão da inexistente programação para o museu. Mas na minha ingenuidade ou crendice pensei: então como é? ela fez tanto barulho e este agora diz que não estava nada agendado? imaginei que ele estaria a denegrir a antecessora. Se calhar não estava.

12 outubro, 2007 16:28  
Anonymous Anónimo escreveu...

Maria:
Penso que Paulo Henriques não estava a denegrir a antecessora, mas antes a demarcar-se de certas opções que não beneficiaram o museu. Um exemplo desastroso de que ele fala, e eu concordo, é a actual localização dos Painéis de S. Vicente.
Quanto à programação, tendo Dalila chegado a prometer uma exposição de Zurbaran para 2008, pergunta-se como seria possível realizá-la sabendo que, a menos que se tratasse de uma produção externa em itinerância, tal implicaria complexas negociações com museus internacionais e um longo trabalho de curadoria e investigação em torno das obras do grande mestre espanhol. Tudo isso e mais o processo de financiamento não é tarefa de curto prazo.

13 outubro, 2007 03:01  
Blogger ana v. escreveu...

Acho que têm toda a razão: tendemos a crucificar os dirigentes se mudam alguma coisa ou alguém, e a crucificá-los também se não o fazem. Gostamos de criticar, mas somos preguiçosos de mais para procurar saber melhor o que criticamos. E é pena que esta substituição no MNAA, de facto, não tenha servido para lançar uma reflexão e discussão pública sobre o tema dos museus portugueses e o seu futuro.

14 outubro, 2007 01:16  
Blogger A Lusitânia escreveu...

Ana Vidal, Desculpe aproveitar o seu comentário para fazer um desabafo quase emocional: é tão verdade que em Portugal se crucifica "quem manda" (alíás, curiosamente, termo mais preferido dos cidadãos portugueses do que "quem coordena" ou quem é responsável" ... fórmula que de per si denuncia já a nossa forma de ser, pois raramente nos colocamos na perspectiva de uma equipa), que, a maioria das vezes, coordenar torna-se um processo de defesa constante, dorido e demasiado solitário. Os dirigentes em Portugal têm que se munir, logo que chegam aos "lugares" de uma espécie de escudela que os distancia dos colaboradores: é-lhes quase pedido que o façam, porque do "outro lado" estão, quase sistematicamente, os maiores críticos. Esta atitude origina, talvez por isso mesmo, alguns autismos defensivos, pois parece que se espera deles o "estrelato", com todos os erros que daí provêm, ou uma capacidade ímpar/invulgar de ter "novas ideias", como se tivessem que ser cidadãos feitos em molde diferente dos outros. Enquanto as equipas e os restantes cidadãos (jornalistas inclusivé) se colocam do outro lado da "assitência" apupando e, paralelamente, demitindo-se do papel que também esperamos deles: que participem. Mas este "fado" é o nosso: esta forma de estarmos sempre a chorar, a criticar, como se nada pudessemos fazer para melhorar. Também acho que neste processo da Directora do Museu Nacional de Arte Antiga, tão maniqueisticamente mediatizado que até a «Primeira Dama» se sentiu no dever de telefonar, se perdeu uma boa oportunidade de reflectir a função que, nos nossos dias, desempenham ou devem desempenhar os museus.E este é um exemplo, como uma míriade de outros, pois, se não conseguirmos ultrapassar o pensamento narrativo/crítico, para passarmos, de facto, ao domínio conceptual, não deixaremos de idolatrar temporariamente e crucificar logo de seguida as pessoas e, fruto dessa mesma forma de ser, de produzir constante legislação (Portugal é um dos países que mais a produz), na esperança que as novas "normas" representem um avanço considerável face ao "mal" que a anterior não resolveu. E, no fundo, continuamos depois todos iguais: com uma navegação à vista, com um pensamente superficialmente crítico. E também sempre muito opinativos sobre todas as esferas da vida!

14 outubro, 2007 08:13  
Anonymous Anónimo escreveu...

Ana Vidal e Mena:
De acordo com ambas. Acrescento, no que diz respeito à crítica, de que fala Mena, o sentido hipercrítico que atravessa toda a sociedade portuguesa. Este sentido hipercrítico poderia ter alguns aspectos positivos, não fosse ele exercido quase exclusivamente sobre a actividade alheia. Por outro lado, a autocrítica em Portugal é quase sempre colectiva e por isso desresponsabilizante.
A autocrítica sectorial necessária em qualquer processo de avaliação tem sido uma das principais lacunas da sociedade portuguesa.
Mas o pior de tudo é a frequente confusão que se faz em Portugal entre crítica e maledicência.

14 outubro, 2007 12:56  
Blogger A Lusitânia escreveu...

Roteia, como sempre, claro e muito acertivo. Deve ser por isso que continuo sempre a visitar-vos. Porque no vosso blogue faz-se trabalho, esclarecimento e opinião. E é disso que precisamos de facto em Portugal!

14 outubro, 2007 15:06  
Blogger A Lusitânia escreveu...

Como vamos de política cultural em Portugal? Já espreitaram, por acaso, o orçamento previsto para o MC? bem sei que a Cultura não é um ministério, aliás, ainda bem .... mas desinvestir na tutela será uma boa solução?

18 outubro, 2007 13:24  
Anonymous Anónimo escreveu...

Espero que a entrevista de Dalila Rodrigues no último número da Visão tenha servido para esclarecer as dúvidas que ainda possam existir. Para quem tenha acompanhado os percursos profissionais de ambos ex-directora (Dalila Rodrigues) e actual director (Paulo Henriques) é fácil perceber quem realmente dá provas de competência, empenho e seriedade. Paulo Henriques é provavelemente o director menos habilitado que o MNAA já teve, e, sem sombra de dúvida, o mais subserviente e desonesto, tendo que denegrir a imagem da sua antecessora para agradar à inenarrável ministra da cultura, Pires de Lima, e cobarde director da tutela, Manuel Bairrão Oleiro.

08 janeiro, 2008 13:24  

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