O PECADO DE DALILA
É sabido que os assuntos de política cultural e os acontecimentos artísticos do
país raramente merecem a atenção dos orgãos de informação, particularmente
das televisões, que privilegiam quase sempre o que julgam ser o interesse dos
consumidores, isto é, economia, desporto, escândalos e cataclismos. Na categoria
"escândalos" foi agora amplamente noticiado o afastamento da mediática Dalila
Rodrigues do cargo de directora do principal museu português, o Museu Nacional
de Arte Antiga > MNAA, e a sua substituição por Paulo Henriques, actual director
do Museu do Azulejo.
Na generalidade dos media, e também na blogosfera, as vozes de indignação
substituiram-se às questões de fundo. Independentemente do dinamismo que
Dalila imprimiu ao MNAA nos últimos três anos e dos bons resultados obtidos,
em termos de adesão de público e de receitas, o caso implicaria um debate sobre
a pertinência das políticas museológicas do Estado, uma vez que desde há muito
os museus portugueses vêm sendo menorizados, como se os tesouros patrimoniais
neles reunidos, não passassem de parentes pobres.
Perde-se assim uma boa oportunidade para debater e questionar. Os museus
portugueses são ou não são geridos e divulgados de acordo com as necessidades
do público e as estratégicas culturais do país? O modelo de gestão que Dalila
reivindicou publicamente, é ou não é o mais apropriado? Será legítimo que Dalila
tenha vindo protestar nos media contra as políticas do Instituto dos Museus e da
Conservação > IMC (ex-IPM)?
O erro de Dalila não tem a ver com a defesa das suas ideias, tem a ver com o facto
de ter usado o seu estatuto de competência, para fazer publicamente um combate
político ao próprio organismo que a tutela, o IMC, possivelmente convencida de
que os êxitos obtidos no exercício do cargo a colocavam acima das regras de
relacionamento institucional. A audácia saiu-lhe cara. E afinal, todos nós perdemos
quando alguém competente perde a razão.
[Adenda > 05.08.2007]
O caso Dalila Rodrigues transformou-se num enorme escândalo, com consequências
políticas ainda imprevisíveis: depois de dois partidos, o CDS/PP e o PSD, terem
exigido que a Ministra da Cultura se explique no Parlamento, círculos próximos do Primeiro-Ministro afirmam que este não terá sabido de nada e que discordaria
da "metodologia", o Presidente da República declarou a jornalistas o seu apreço
pelo trabalho de Dalila, 16 directores de museus nacionais vieram a público com
um despropositado abaixo-assinado em que se demarcam das posições assumidas
pela directora do MNAA, a que esta respondeu dizendo compreender a posição dos
seus colegas, para garantirem o emprego.
Entretanto os blogues que não estão de férias insurgem-se maioritariamente
contra o que chamam "saneamento ou perseguição à competência". Corre ainda
uma petição online intitulada "Carta Aberta de Apoio a Dalila Rodrigues": http://www.petitiononline.com/Dalila/petition.html .
Dito isto, vou visitar a exposição "O Tapete Oriental em Portugal", no MNAA.
Pintura > Pieter Paul Rubens (1577-1640), Bélgica (Flandres)
> Sansão e Dalila, c. 1609, National Gallery, Londres.
[R]
Pesquisar Dalila Rodrigues [links]
> CDS/PP compara afastamento de D. R. a "prática estalinista" (CDS/PP, Concelhia de Lisboa)
> Dalila e os filisteus (DBH, 31 da Armada)
> Dalila Rodrigues "afastada"... (Alexandre Matos, Mouseion)
> Dalila Rodrigues afastada do MNAA > Arte antiga e cultura de hoje (Alexandre Pomar)
> Dalila Rodrigues Out > Cavaco & Dalila (Eduardo Pitta, Da Literatura)
> Dualidades em dia de Verão > Quem tramou Dalila Rodrigues (LNT, Tugir)
> Quem quer deixar de ser governo - desenvolvimentos (Rui MCB, Adufe)
É sabido que os assuntos de política cultural e os acontecimentos artísticos do
país raramente merecem a atenção dos orgãos de informação, particularmente
das televisões, que privilegiam quase sempre o que julgam ser o interesse dos
consumidores, isto é, economia, desporto, escândalos e cataclismos. Na categoria
"escândalos" foi agora amplamente noticiado o afastamento da mediática Dalila
Rodrigues do cargo de directora do principal museu português, o Museu Nacional
de Arte Antiga > MNAA, e a sua substituição por Paulo Henriques, actual director
do Museu do Azulejo.
Na generalidade dos media, e também na blogosfera, as vozes de indignação
substituiram-se às questões de fundo. Independentemente do dinamismo que
Dalila imprimiu ao MNAA nos últimos três anos e dos bons resultados obtidos,
em termos de adesão de público e de receitas, o caso implicaria um debate sobre
a pertinência das políticas museológicas do Estado, uma vez que desde há muito
os museus portugueses vêm sendo menorizados, como se os tesouros patrimoniais
neles reunidos, não passassem de parentes pobres.
Perde-se assim uma boa oportunidade para debater e questionar. Os museus
portugueses são ou não são geridos e divulgados de acordo com as necessidades
do público e as estratégicas culturais do país? O modelo de gestão que Dalila
reivindicou publicamente, é ou não é o mais apropriado? Será legítimo que Dalila
tenha vindo protestar nos media contra as políticas do Instituto dos Museus e da
Conservação > IMC (ex-IPM)?
O erro de Dalila não tem a ver com a defesa das suas ideias, tem a ver com o facto
de ter usado o seu estatuto de competência, para fazer publicamente um combate
político ao próprio organismo que a tutela, o IMC, possivelmente convencida de
que os êxitos obtidos no exercício do cargo a colocavam acima das regras de
relacionamento institucional. A audácia saiu-lhe cara. E afinal, todos nós perdemos
quando alguém competente perde a razão.
[Adenda > 05.08.2007]
O caso Dalila Rodrigues transformou-se num enorme escândalo, com consequências
políticas ainda imprevisíveis: depois de dois partidos, o CDS/PP e o PSD, terem
exigido que a Ministra da Cultura se explique no Parlamento, círculos próximos do Primeiro-Ministro afirmam que este não terá sabido de nada e que discordaria
da "metodologia", o Presidente da República declarou a jornalistas o seu apreço
pelo trabalho de Dalila, 16 directores de museus nacionais vieram a público com
um despropositado abaixo-assinado em que se demarcam das posições assumidas
pela directora do MNAA, a que esta respondeu dizendo compreender a posição dos
seus colegas, para garantirem o emprego.
Entretanto os blogues que não estão de férias insurgem-se maioritariamente
contra o que chamam "saneamento ou perseguição à competência". Corre ainda
uma petição online intitulada "Carta Aberta de Apoio a Dalila Rodrigues": http://www.petitiononline.com/Dalila/petition.html .
Dito isto, vou visitar a exposição "O Tapete Oriental em Portugal", no MNAA.
Pintura > Pieter Paul Rubens (1577-1640), Bélgica (Flandres)
> Sansão e Dalila, c. 1609, National Gallery, Londres.
[R]
Pesquisar Dalila Rodrigues [links]
> CDS/PP compara afastamento de D. R. a "prática estalinista" (CDS/PP, Concelhia de Lisboa)
> Dalila e os filisteus (DBH, 31 da Armada)
> Dalila Rodrigues "afastada"... (Alexandre Matos, Mouseion)
> Dalila Rodrigues afastada do MNAA > Arte antiga e cultura de hoje (Alexandre Pomar)
> Dalila Rodrigues Out > Cavaco & Dalila (Eduardo Pitta, Da Literatura)
> Dualidades em dia de Verão > Quem tramou Dalila Rodrigues (LNT, Tugir)
> Quem quer deixar de ser governo - desenvolvimentos (Rui MCB, Adufe)
Etiquetas: Dalila Rodrigues, Museu Nacional de Arte Antiga, museus, Pieter Paul Rubens
14 Comentários:
Quando ouvi esta notícia fiquei estupefacta, como é possível ??? Fazerem isto a uma pessoa por ser competente ???
Está tudo dito !!!
Esta proliferação de incompetentes à frente de muitas das instituições, que acabam com isto e com aquilo, assim tão à descarada. Claro está, se encontram alguém competente à frente de algo, ficam perigosamente assustados, e assim vá de lhe cortar as pernas e mandá-la de lá para fora, ocupam-lhe de seguida o espaço, e assim irão copiar-lhe o modelo que lá deixado... E ficam com os louros em regalados títulos de bem sucedidos ou se não conseguirem fazerem bem como a Dalila, não faz mal… Acaba-se com o museu e pronto!
É esta a forma justa de se viver neste país com esta tão estupidificante esperteza-inteligente em grande competitividade!
Um abraço
Alice
Comentários para a troca aqui.
Rui MCB:
Deixei novo comentário, desta vez em discordância consigo, a propósito de Paulo Henriques, que penso ser uma boa alternativa. Ao contrário de Dalila, ele é um homem discreto, mas nem por isso menos competente e dinâmico.
Alice:
È um facto, concordo consigo, que em Portugal pessoas competentes são alvos a abater, porque tornam mais evidente a mediocridade de outros.
Porém, neste caso, penso que o problema é outro: Dalila gosta de protagonismo, luta por resultados e gosta de os exibir. Além disso, também gosta de fazer combate político, facto que terá pesado na decisão dos responsáveis do Ministério da Cultura. No fundo estes responsáveis terão querido eliminar, digamos assim, uma adversária de peso.
Dalila jogou alto. Ela sabe, e veja-se o impacto deste caso, que sairá sempre vencedora. Quem não sai a ganhar somos nós, ou talvez não? Para já estamos a ganhar em debate. Quem diria que a museologia podia ter tanta visibilidade?
Caro(a) Roteia
Vou continuando a estar de acordo consigo.
Principalmente porque também me parece que todos nós perdemos algo (muito) com tudo isto e que andamos muito perto da inépcia total para gerir o que interessa.
Dalila jogou alto e jogou fora de campo, é verdade.
Mas mais importante parece-me ter sido a incapacidade de ouvir e repensar que a tutela revelou.
Do iluminismo não se pode esperar mais.
Entretanto os museus deverão continuar a ser os sepulcros do nosso património.
Uma infelicidade.
Caro Luis:
Destaco estas suas palavras: "sepulcros do nosso património". Na verdade isso é tudo o que os museus não podem ser, e muitos deles, felizmente, já não são. Mas o MNAA, no que diz respeito às suas gigantescas e misteriosas reservas, não andará longe disso.
O Estado tem responsabilidades neste campo e uma das políticas necessárias seria distribuir algumas "migalhas" (através de protocolos de depósito) por alguns museus nacionais que veriam assim valorizadas as suas colecções. Isto para já não falar da ausência de políticas de aquisição que preenchessem as lacunas do próprio MNAA, das várias épocas e de quase todas as escolas estrangeiras (principalmente da escola italiana), revitalizando deste modo o museu, a exemplo do que se faz em museus europeus congéneres.
Outro aspecto essencial, seria reformular a sério a museografia do MNAA, abandonando as opções do tempo de Cavaco/Santana Lopes, para tornar mais atraentes alguns dos seus núcleos de excelência.
Mas tudo isto parece irrealizável num país que costuma pensar pequenino no campo dos museus, com o argumento de que somos pobrezinhos, e somos, pobrezinhos em arte, claro, porque para outras coisas até dá para esbanjar.
Dalila jogou politicamente colocando o cargo à disposição e perdeu politicamente porque o cargo lhe foi, efectivamente, retirado.
Dalila declarou não se revêr na política do MC e na prática do IMC para a área museológica. Colocou o poder entre a espada e a parede.A espada: aceder às suas reivindicações; a parede: destituí-la do cargo (seria difícil conceber a permanência de Dalila num sistema com que a própria publicamente não se identifica).Penso que o resultado era esperado por Dalila e foi, de facto, um passo político, em que a batalha parece perdida para ela, mas quem sabe, poderá ter frutos (políticos) no futuro.
Pena que as coisas tenham corrido desta maneira, porque o modelo de Dalila provou ser eficaz e precisaríamos de o estender a outros museus...
Poucos meses depois de Dalila Rodrigues estar � frente do MNAA, li num jornal uma sua entrevista em que energia e vontade de concretizar novos projectos para o museu me deixaram uma excelente impress�o.
E n�o me enganei. Dalila ao contr�rio de tantos outros, n�o se acomodou dizendo que n�o podia concretizar os projectos porque as verbas recebidas do MC n�o chegavam."Arrega�ou as mangas" e trabalhou para o conseguir. Conseguiu que o BCP fosse o mecenas do MNAA, porque apresentou um projecto para o museu que convenceu, de contr�rio n�o o receberia. Todos t�m sempre muitas ideias...Mas aten�o o dinheiro tem de passar pelo IMC, optimo para o IMC, assim divide com o Soares dos Reis. H� dias Dalila numa entrevista refere que fora ela que organizara o mecenato e que o pr�prio BCP escreveu uma carta ao IMC preocupado com o facto de lhe terem sido retiradas condi�es, e eu acredito no que diz Dalila. Num �nico ponto a gest�o do Estado assemelha-se � gest�o particular, acha que n�o tem que dar satisfa�es a ningu�m.
N�o me espantei que Dalila fosse demitida. H� uns meses li mais uma entrevista onde Dalila criticava a gest�o do IMC, n�o me enganei quando pensei na altura ela vai ser demitida...antes me enganasse...
afinal com a Dalila ou com outra personalidade qualquer as politicas são sempre as mesmas, o mecenas BCP o banco da Opus Dei fundado pelo Papa polaco, a exposição dos douradíssimos Icones polacos no Museu de Arte Antiga, (como se não houvesse mais nada para a Arte explicar no nosso país que não fôra o obscurantismo católico mais retrógado) a exploração do mercado bancário da Polónia pelo BCP, etc - logo, para mim já tou comó outro: afinal a UE é isto: a livre circulação de pessoas e bens - vão circulando vão, quanto mais melhor, que é para nós os irmos vendo cada vez melhor,,,
Parece-me que os comentários estão a ficar a preto e branco...
Madalena Lello,
quase que canoniza Dalila Rodrigues. Ora a senhora é muito competente na promoção, divulgação e também na captação de público para o museu, mas não se tem revelado nenhuma entidade perfeita na forma maniqueísta como se comportou durante todo este processo. Fora do seu leque de opiniões, tudo é mau: desde a ministra ao director do IMC aos próprios colegas directores de museus. Talvez falte aqui, a par de alguma humildade, uma abertura que teria sido proveitosa para todos nós, uma certa competência de negociação prévia ao braço-de-ferro público.
Xatoo,
Pessoalmente, encaro com alguma repugnância as redes de influência Opus Dei, mas acho igualmente bafiento algum maniqueísmo panfletário de rebatida e cacofónica inspiração marxista. Pois sabemos que a culpa disto tudo é do capital e da religião e que a arte devia ser totalmente independente deles. Mas que fazer? Excluir dos museus as obras com temas católicos ou de outra inspiração religiosa? Abaixo a arte sacra? Abaixo o mecenato?
as igrejas são museus vivos da alienação - são facilmente reconvertiveis para bibliotecas de estudo.
O pensamento liberal vem sempre inquinado com os principios errados - começa-se sempre por referir o dinheiro (os mecenas) e só depois a finalidade dos objectos - a função didáctica dos museus na cultura.
Ainda, pareceu-me pressentir um macarrónico preconceito anti-marxista como se essa filosofia económica tivesse sido descartada em definitivo das opções de futuro - se pensa assim, `tamos, como diria o Zé, mau Maria
Xatoo,
fez confusão.O meu comentário era precisamente contra o preconceito - religioso ou ideológico.
Quer no Estado, quer nas empresas, os jogos de poder são inevitáveis, mesmo quem não gosta deles é muitas vezes obrigado a jogar. Agora há sempre um elo mais fraco e esse ou verga ou quebra. Ao criticar publicamente o seu "superior" não havia muitas saídas possíveis, pelo que o desfecho não podia ser outro. Como não faço ideia dos bastidores não posso avançar nenhuma apreciação sobre o processo (e os bastidores costumam ser bastante esclarecedores sobre o que realmente se passa), agora o que eu digo é que o MNAA mostrou dinamismo e fui lá ver várias exposições temporárias, coisa que já não fazia há anos.
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