terça-feira, outubro 03, 2006

O PIMENTO DE WESTON



Este pimento de Edward Weston tornou-se ícone máximo de um género fotográfico
herdeiro da tradição pictórica da natureza-morta. Mas como explicar que este mesmo
pimento seja, simultâneamente, uma das mais intensas imagens da história da
fotografia? Em que é que difere da restante obra de Weston no campo da observação
da natureza? Porque é que se distingue entre milhões de outras imagens?
[R]

[Adenda > 7.10.2006]
Anotações do diário de Edward Weston (trad. Propranolol):
9 Julho 1930
(...) E eu trabalhei outra vez com pimentos, surpreendendo-me a mim mesmo! Sonya trouxe vários para casa e eu não pude resistir, embora pensasse que já
me tinha deixado disso. Mas os pimentos nunca se repetem a si próprios!
Conchas, bananas, melões, tantas formas que não se prestam a experiências
- mas não é assim com o pimento, sempre de uma exaltante individualidade.
(...)

1 Agosto 1930
O glorioso novo pimento que Sonya trouxe manteve-me ocupado a semana
toda e obrigou-me a fazer oito negativos - não estou satisfeito ainda! Estes
oito foram todos tirados do mesmo ângulo; é raro isto acontecer-me.
(...) Mas o pimento merece bem todo o tempo, dinheiro, esforço. (...) Houve
quem sugerisse que eu sou um canibal por comer os meus modelos depois de
uma obra prima. Mas eu gosto mais de pensar que eles se tornam parte de
mim, enriquecem o meu sangue, tal como enriquecem a minha visão. (...)

8 Agosto 1930
Não pude esperar mais tempo para os imprimir - os meus novos pimentos (...)
Primeiro imprimi o meu favorito, aquele que eu fiz sábado passado, 2 de
Agosto, quase já sem luz - feito rápidamente, mas depois de uma semana de esforço que antecedeu a minha decisão, imediata, sem hesitação. Uma
semana? - sim, com este específico pimento - mas um esforço de vinte anos,
que começou na minha juventude numa quinta de Michigan (...), até fazer este pimento, que eu considero o culminar de um trabalho.
É clássico, completamente satisfatório, - um pimento - mas mais que um
pimento: abstracto, no sentido em que está completamente para lá do tema.
Não tem atributos psicológicos, não apresenta emoções humanas: este novo
pimento transporta-nos para além do mundo que conhecemos no plano da consciência. Para ter a certeza que muito do meu trabalho tem esta qualidade,
- muitos dos meus últimos pimentos, mas sobretudo este, e na realidade todos
os novos pimentos, transportam para uma realidade profunda - o absoluto
- com uma compreensão clara, uma revelação mística. Esta é a "apresentação
significante" a que eu me refiro, a apresentação através do eu intuitivo, vendo
"através dos olhos, não com eles"; o visionário.

in Edward Weston, The Flame of Recognition
- His photographs accompanied
by excerpts from the Daybooks & Letters, Edited
by Nancy Newhall,
An Aperture Monograph/Museum of Modern Art, ed. Aperture,
New York, 1975
[R]

Fotografia > Edward Weston (1886-1958), EUA
> Pepper, 1930, Col. MoMA, NY
[R]

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9 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

O humilde pimento das saladas ou refogados pela mão de Weston tornou-se também numa escultura de bronze que sugeria muito mais do que à partida se poderia apirar.

Era apenas um pimento, mas passou a ser muito mais coisas.

Weston com esta fotografia mostra que não há assuntos indignos ou menores, há é fotógrafos que vêm e outros que andam sempre distraídos.

04 outubro, 2006 16:24  
Anonymous Anónimo escreveu...

porquê das mais intensas? - sexo. dois corpos fundidos. torsos e nádegas. é demasiado literal olhar a imagem desta forma? seja, mas o polimorfismo, enfim, a sensualidade das curvas e contracurvas do pimento, qualquer pimento, também permite escorregar por aquele caminho antigo que vê falos e vulvas em muitas das formas da natureza. basta seguir o link para a página do fotografo, em «natural studies», e ficar na dúvida se ele, em quase metade das imagens, não terá também percorrido o mesmo caminho.

05 outubro, 2006 10:13  
Anonymous Anónimo escreveu...

Weston apresenta o pimento como um corpo, qualquer outro corpo. A sensualidade (não o sexo) dos volumes parece que nos aquece e desperta os sentidos. Não estamos sós quando o olhamos.

06 outubro, 2006 21:39  
Anonymous Anónimo escreveu...

Grato pelos vossos comentários, procurarei reponder-lhes em post.

A José M. Rodrigues, que volte sempre, com ou sem pimento!

07 outubro, 2006 03:24  
Anonymous Anónimo escreveu...

O pimento de Weston é... o pimento de Weston, fica-se (eu fico) sem palavras, é como se as palavras fossem supérfluas. Mas estas palavras, ditas pelo autor e oportunamente colocadas em adenda por Roteia, parece que eram necessárias, e nós não nos tínhamos apercebido disso.
Eu não conhecia o Ultraperiférico, cheguei através do Tugir. É um dos melhores da blogosfera portuguesa. Obrigado Roteia, por este post notável sobre um dos maiores fotógrafos de sempre. Parabéns.

07 outubro, 2006 13:53  
Blogger Aldina Duarte escreveu...

A Natrureza viva nunca se repete a si própria, por isso é um grande desafio para um criador de naturezas mortas, de facto!

07 outubro, 2006 18:11  
Blogger maria escreveu...

Já tinha reparado que os pimentos têm quase sempre formas bizarras, sensuais, mas nunca os tinha imaginado quase como uma escultura. É bonito.

07 outubro, 2006 20:52  
Blogger bettips escreveu...

Ora esta! Agora é que vou olhar os pimentos, enfim, os legumes, por todos os lados. Isto da Arte de fotografar tem muito de "olho clínico". Pois se as coisas existem que no-las mostrem. Obg.

08 outubro, 2006 19:35  
Blogger Rosa escreveu...

Adorei!

09 outubro, 2006 10:31  

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