sábado, outubro 11, 2008

ZIF



Quem passa pelas estradas da chamada Beira Interior, depara-se com uma
paisagem verde de mato e pinheiros a crescer pelos montes até onde a vista
alcança. Trata-se exactamente do mesmo território que a onda de incêndios
de 2003 transformou numa vasta superfície de terra calcinada a perder de
vista. Foi um verão marcado por incontáveis debates televisivos e reportagens
de tragédias captadas e comentadas "em cima do acontecimento" e no próprio
"cenário de operações".
O então primeiro-ministro Durão Barroso deu o seu melhor frente às câmaras,
com solenes declarações em que teve oportunidade de mostrar "preocupação
e empenhamento" e "confiança total nas instituições".
Sucederam-se múltiplos estudos sobre reordenamento florestal e defendeu-se
convictamente para aquela zona que é, segundo consta, a "maior mancha de
pinhal da Europa", a substituição de pinheiros por carvalhos, sobreiros,
castanheiros, etc., árvores menos dadas à propagação do fogo.
Mas o silêncio e a indiferença não tardaram a instalar-se, porque em questão
de audiências a floresta não é tema, só é tema a catástrofe.
No entanto, em Agosto de 2005 foi promulgada a legislação sobre as ZIF
(Zonas de Intervenção Florestal), sigla interessante para ser, como parece ter
sido, rapidamente absorvida pela burocratização e investimentos em árvores
de crescimento rápido e portanto mais rentável. O país continua ao abandono,
à mercê de cheias no inverno e fogos no verão, fogos que na verdade ninguém
quer saber se são postos ou não postos, pouco importa, nada importa a não ser
que dê lucro. O dinheiro permanece o verdadeiro afrodisíaco.
Quanto à bela paisagem natural das Beiras, tem os dias contados: vai arder
assim que os pequenos pinheiros atinjam proporções adequadas. E nessa altura
não faltarão novos debates e reportagens e declarações públicas dos altos
representantes da Nação.
É nisto que Portugal é imbatível. É isto que dá a Portugal um lugar de destaque
na União Europeia.
[P]

Pintura > Josef Albers (1888-1976), Alemanha/EUA
> Homage to the Square: Soft Spoken, 1969, Metropolitan Museum, Nova Iorque
[R]

6 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Que ideia é esta de falar em florestas em pleno mês de Outubro?O
Outubro em Portugal é mais educação, avaliação, magalhães e coisas assim, de época. E é isso que nos torna ímbatíveis e em lugar de destaque na Europa. O respeito pelo que é de época. Já viu o nosso 1º Ministro preocupado com a crise financeira?
Qual Crise? Nacionalizações da Banca? Jesus credo! Abaixo o partido Comunista!
Nenhum 1º ministro europeu iguala aquele sorriso tecnológico do nosso. Essa é outra razão de destaque - o optimismo.
A floresta é coisa de Agosto tal como as cheias o são do Inverno. Não queira o ultraperiférico trocar-nos o calendariozinhoo

12 outubro, 2008 21:43  
Anonymous Anónimo escreveu...

Não creio, Maria-do-Bairro-ao-Lado, que esta questão tenha a ver com Sócrates, nem sequer com Aristóteles ou Platão. Tem a ver com todos os órgãos de informação e com todos os governos. É um padrão. E vendo bem, quem é que verdadeiramente se interessa em Portugal pelas questões da Natureza?

13 outubro, 2008 03:02  
Blogger A Lusitânia escreveu...

há tanto tempo que por aí não vou ... mas é melhor ir, sim, antes que se extinga

16 outubro, 2008 14:49  
Anonymous Anónimo escreveu...

Não se extingue assim, sem mais nem porquê, Filomena Barata, mas por vezes não é fácil ter tempo e disponibilidade.

16 outubro, 2008 18:33  
Blogger bettips escreveu...

Qual deles se responsabiliza? Qual dos governantes tem a hombridade de vir dizer que "se responsabiliza", "se enganou"? Não era o Guterres que dizia ter a paixão da educação? São máscaras, todas essas caras que nos vão desfilando: ralhadoras, castigadoras, melífluas e enganadoras!
Abçs

19 outubro, 2008 03:00  
Anonymous Anónimo escreveu...

Este Verão, na Beira, que é a minha terra natal, vi largas extensões de castanheiros e de carvalhos doentes. Explicaram-me que se tratava de uma praga que atacava apenas os quercus. Doía subir a S. Macário e ver as manchas secas e amarelas avançar, como um exército de espectros rostilhantes. Não só não se reflorestou com espécies autóctones, como as veneráveis sobreviventes estão a morrer. Já a Malcata é uma mancha (muito bela, é certo) de verde túrgido e resinoso à esera da próxima vaga de calor. Outra coisa que vi este Verão, lá por cima: há quem esteja a regressar à agricultura de subsistência. Não significa mais respeito pela natureza ou pelos recursos naturais, o que significa todos o sabemos. E vi um tractor puxado por uma parelha de mulas.

27 outubro, 2008 12:38  

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