segunda-feira, março 17, 2008

HOJE



No dia em que os professores de todo o país reunem para avaliar os seus alunos,
porque a avaliação é para os professores um dos actos essenciais do sistema de
ensino, e porque se considera também que a avaliação do próprio sistema, escolas
e professores, é igualmente indispensável, transcreve-se o seguinte documento
do Departamento de Línguas da Escola Secundária D. Maria II, Braga, divulgado
no blogue Movimento Escola Pública:

Atendendo a que, sem fundamento válido, se fracturou a carreira docente em duas: professores titulares e não titulares;

Atendendo a que essa fractura se operou com base num processo arbitrário, gerando injustiças inqualificáveis;

Atendendo a que os parâmetros desse concurso se circunscreveram, aleatória e arbitrariamente, aos últimos sete anos, deitando insanemente para o caixote do lixo carreiras e dedicações de vidas inteiras entregues à profissão;

Atendendo a que, por via de tão injusto concurso, não se pode admitir, sem ofensa
para todos, que seguiram em frente só os melhores, e que ficaram
para trás os que
eram piores;


Atendendo a que esse concurso terá repercussões na aplicação do assim chamado
modelo de avaliação, já que, em princípio, quem por essa via
acedeu a titular será
passível de ser nomeado coordenador e, logo,
avaliador;

Atendendo a que, por essa via, pode muito bem acontecer que o avaliador seja menos qualificado que o avaliado;

Atendendo a que o modelo de avaliação é tecnicamente medíocre;

Atendendo a que o modelo de avaliação é leviano nos prazos que impõe;

Atendendo a que o modelo de avaliação contém critérios subjectivos;

Atendendo a que há divergências jurídicas sérias relativas à legitimidade deste modelo;

Atendendo a que o Conselho Executivo e os Coordenadores de Departamento foram democraticamente eleitos com base nas funções então definidas para esses órgãos;

Atendendo a que este processo, a continuar, terá que ser desenvolvido pelos anunciados futuros Conselhos de Escola, Director escolhido por esse Conselho,e pelos Coordenadores nomeados;

Nós, professores do Departamento de Línguas, da Escola Secundária D. Maria II, não reconhecemos legitimidade democrática a nenhum dos órgãos da escola para darem continuidade a um processo que extravasa as funções para as quais foram eleitos;

Mais consideram que:

Por uma questão de dignidade e de solidariedade profissional, devem, esses órgãos, suspender, de imediato, toda e qualquer iniciativa relacionada com a avaliação;

Caso desejem e insistam na aplicação de tão arbitrário modelo, devem assumir a quebra
do vínculo democrático e de confiança entre eles próprios e quem os
elegeu, tirando
daí as consequências moralmente exigidas.

[R]

Fotografia > Paulo Catrica (n.1965), Portugal
> in Liceus, ed. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005 (via Sais de Prata e Pixels).
[R]

15 Comentários:

Blogger Madalena Lello escreveu...

Roteia,

hoje, como o título do seu post, so eu que a felicito.

17 março, 2008 09:33  
Anonymous Anónimo escreveu...

Curiosa é a opção que a comunicação social tomou de praticamente excluir do debate público os especialistas nesta matéria, que poderiam efectivamente esclarecer a opinião pública sobre as virtudes e pecados deste modelo de avaliação. Isto ao contrário do que aconteceu na polémica sobre a localização do novo aeroporto: inúmeros engenheiros civis e de transportes e afins se pronunciaram na altura. Neste caso, há lugar apenas para os políticos e para os visados pela avaliação.
Desta forma assiste-se a um esgrimir de argumentos que pouco esclarecem: por exemplo, porque é que este modelo de avaliação é um "ataque à dignidade da classe docente"? Porque se considera que o modelo é "tecnicamente medíocre"?

18 março, 2008 16:15  
Blogger R.O. escreveu...

Bala:
De facto, que eu tenha notado, os especialistas em docimologia não foram ouvidos no debate. Em vez de jornalismo, apenas tivemos a parte do espectáculo mediático e dos interesses politiqueiros, com intervenientes por vezes de baixo nível. Por isso, a mensagem que passa é a de que os professores não querem ser avaliados.

Quanto à primeira pergunta:
o ataque à classe docente existe de facto, mas esse ataque é prévio à existência do modelo de avaliação recentemente regulamentado. É ataque, lançar uma sucessão de "pacotes" legislativos reformistas, sem preparar o "terreno", passando a mensagem de que é preciso pôr os professores na ordem, e deste modo melhorar a qualidade do ensino e o sucesso escolar. É ataque, lançar o processo de avaliação com prazos absurdos, apenas para cumprir uma agenda política, esquecendo a agenda pedagógica das escolas.
Tempo de "digestão" dos documentos e tempo para a sua aplicação não foram tidos em conta, nem as implicações no calendário lectivo, nem a sobrecarga horária dos avaliadores.

Quanto à segunda pergunta:
O modelo é tecnicamente medíocre desde logo em questões de fundo, como o de pretender quantificar o desempenho em aspectos tão vagos como, por exemplo, "relacionamento do docente com a comunidade escolar".
Creio que um processo de avaliação correcto deve ter como principal objectivo (em vez da classificação quantitativa), fazer um balanço exigente, do que corre melhor e pior com cada professor e em cada escola e apontar as medidas para melhorar as práticas pedagógicas.
Os parâmetros de avaliação deveriam ser simples e claros para todos os avaliadores e avaliados.

Depois de verificada a impossibilidade de se cumprirem os prazos estipulados, de se esclarecerem atempadamente as dúvidas e de se corrigirem incongruências, diz agora o Ministério que cada escola deve simplificar o processo. Simplificar o quê e como? Simplificar erros?

19 março, 2008 03:53  
Anonymous Anónimo escreveu...

Caro, muito caro Roteia,

Em primeiro lugar, não é de especialistas em docimologia que precisamos neste caso. A avaliação de desempenho constitui uma área de saber específico que ultrapassa muito a ciência dos testes e das provas. Os especialistas a que me refiro são os gestores e técnicos de recursos humanos.
Quanto ao resto, a situação não será fácil e obviamente que a revolta que perpassa de muitos professores não nascerá do mero capricho de oposição.
Da minha experiência profissional de 23 anos nunca assisti a nenhum sistema de avaliação que nascesse sem erros. É pela aplicação e pela participação de todos os envolvidos no "terreno" que eles são aperfeiçoados.
Discordo no que respeita à injustiça de todas as reformas anteriormente aplicadas no sistema educativo. Quase todas eram esperadas e defendidas há décadas e penso que o terreno teve esse exacto número de décadas para se tornar receptivo às reformas.
A ideia de que os professores seriam os maus da fita e estariam a ser castigados parece-me ter sido veiculada por outras fontes que não aquela a que te referes...
Quanto à questão quantitativa, digo-te que não esgota a avaliação e deve ser acompanhada pela avaliação qualitativa, como é neste caso, aliás. Há métodos (estamos em território técnico) para transformar apreciação qualitativa em quantitativa e, como especialista, digo-te: esta é a norma em qualquer método de avaliação credível.
Fiquei também com a impressão, pelo que li no site do Ministério da Educação que os parâmetros de avaliação, desde que se enquadrem nos objectivos genéricos de avaliação definidos pela lei, são definidos pelas escolas...E isso é um trabalho de simplificação que penso estar ao alcance de qualquer um...

19 março, 2008 11:32  
Blogger R.O. escreveu...

Bala:
Desde já, grato pelo teu contributo especializado ao debate. Concordo que devam ser ouvidos gestores e técnicos de recursos humanos, no entanto os investigadores em docimologia moderna não devem ser excluidos, dado que a "ciência dos testes e das provas", também se ocupa actualmente, no âmbito das Ciências da Educação, da avaliação de desempenho e competências docentes. É preciso ainda ter em conta que os professores são profissionais que aplicam métodos de avaliação continua, utilizando instrumentos de registo e análise que passam regularmente do qualitativo ao quantitativo. Não lhes é portanto um universo estranho, ainda que a avaliação entre pares necessitasse de uma formação específica, o que de facto a grande maioria dos professores avaliadores não possui.

As questões que levantas configuram algumas ideias-feitas sobre a docência nas escolas portuguesas, ainda que existam, admito, resistências à avaliação por parte de alguns professores. Acresce que as escolas não são empresas e creio que o desempenho não deverá medir-se exactamente pelos mesmos modelos. Diz a Ministra: "Não há avaliação perfeita". Está certo, mas se uma classificação "menos perfeita" pode impedir a progressão na carreira e a remuneração, ou levar um professor a ser colocado longe da sua família e da sua casa as coisas mudam de figura.

Muitas reformas são desejadas nas Escolas, existindo receptividade para elas. O modo como se pretende que sejam implementadas é outra questão. E os professores têm sido considerados pelo ME os maus da fita, sim senhora, basta lembrar as afirmações da Ministra no passado, correlacionando os problemas da sociedade e da economia portuguesas com o deficiente trabalho dos professores. Já as famílias e a sociedade não são problema algum, já a existência de turmas multiculturais também não. Não é isto humilhante para os professores?

O filósofo José Gil (num texto em que também refere as finalidades economicistas do processo de avaliação) afirmou:
"Nisto tudo, uma questão me intriga: porquê tanto ódio, tanto desprezo, tanto ressentimento contra a figura do professor?"

> Roteia

19 março, 2008 18:06  
Anonymous Anónimo escreveu...

Bala e Roteia teriam sido úteis no programa Prós e Contras. Encaro estes vossos comentários como o que entendo dever ser o verdadeiro debate de ideias. Além disso elucidam os leigos na matéria, como é o meu caso.
Registo a opinião do filósofo José Gil, citada por Roteia, porque me parece evidente a aversão da sra. ministra pela classe docente. A forma como pretende impor medidas provavelmente necessárias, talvez fosse menos hostil se a senhora tivesse em conta que na formação do indivíduo, a figura do professor é a mais remota e mais marcante referência, para toda a vida, imediatamente a seguir à da família.

21 março, 2008 00:37  
Anonymous Anónimo escreveu...

Gostava também de meter a minha colher nesta discussão.
Ora se me permitem, cá vai.

Julgo que os professores não são uma classe à parte. Existem especificidades próprias à profissão (tal como em todas) que têm de ser ponderadas no processo de avaliação, pelo que li até ao momento, estão asseguradas.

O que me parece assustar os professores não será tanto a avaliação em si, mas as suas consequências. Ou seja uma progressão na carreira assente em resultados, ao invés do que se passava anteriormente.

Esta é a realidade de qualquer profissional, em qualquer área - excepção para a função pública.

Os professores estão sujeitos a uma grande pressão por parte da sociedade e dos seus filhos. Tudo isso é compreensível, mas não invalida a avaliação, antes a exige.

A meu ver este é um problema que vai desaparecer rapidamente.
A nossa educação tem outros problemas bem maiores; as escolas superiores de educação e a turba de "educadores profissionais" que dali são despejados; os alunos com deficiência ou dificuldades específicas de aprendizagem e a sua integração nas escolas e na sociedade; os planos curriculares e os cursos superiores que apenas servem interesses de quintal; e o cada vez mais pesado multiculturalismo com o qual nem as escolas nem a sociedade ainda sabem como lidar.

Não precisamos de muitas reformas, precisamos das reformas certas. Esta é uma delas. Espero que o governo e a ministra não fique por aqui, há muito para fazer.

21 março, 2008 01:31  
Blogger R.O. escreveu...

Mister:
Concordo na generalidade com o comentário, oportuno em vários aspectos. No entanto, quem está nas escolas sabe que os professores (pelo menos a grande maioria deles) não estão assustados, nem sequer apreensivos.
O que estão é cansados, indignados, desmoralizados. E sem saber bem como conciliar horários lectivos com as inúmeras tarefas complementares decorrentes de uma avaliação excessivamente complexa e burocratizada. Complexa não significa profunda, tal como simples não significa superficial.
Os professores que já estão no topo da carreira são os que mais protestam e os que mais insistem na necessidade de reformas.
Talvez a opinião pública desconheça que na reforma que se segue o orgão máximo da escolas (Conselho Geral) passará a ter professores em minoria. Por analogia, é como se os concelhos de administração das empresas passassem a ser constituidos maioritariamente por representantes do pessoal auxiliar, dos clientes da empresa, familiares desses clientes, comerciantes do bairro e outros distintos membros da comunidade. Em minoria ficariam os representantes dos empresários e os especialistas em gestão.
> Roteia.

21 março, 2008 03:59  
Anonymous Anónimo escreveu...

Roteia

A opinião pública pode desconhecer, mas não sou opinião pública. Nem quero ser.

E ao contrário de ti, também concordo com a integração de elementos "externos" aos professores no Conselho Geral.
É de resto o que se passa hoje nas Universidades. E faz parte de uma têndencia generalizada nas sociedades contemporâneas de co-responsabilização no sector Educação.

Tenho uma opinião muito positiva na participação de pais e associações, de alunos, de membros do poder local e de instituições de relevo nas escolas. As escolas não são dos professores, pertencem à sociedade e a ela servem.
O papel do professor sai reforçado pela presença da comunidade na escola, que desta forma se torna também responsável.

Em suma, saltamos do "eles" aquela entidade superior sobrenatural, para o "nós".

21 março, 2008 13:37  
Blogger R.O. escreveu...

Vale a pena ouvir o que diz Adriano Moreira, ele que há vários anos é representante do seu bairro numa Assembleia de Escola:

http://sic.sapo.pt/online/scripts/2007/videopopup.aspx?videoId={C190E8EB-B90A-42FB-AFCF-BACAD6C773D0}

21 março, 2008 16:50  
Anonymous Anónimo escreveu...

Claro, Roteia, que as escolas não são empresas. É por isso que este modelo não é baseado nos modelos empresariais, mas sim nos modelos de ensino. Nenhuma das componentes de avaliação é nova neste modelo.
Dizes também que "uma avaliação "menos perfeita" pode impedir a progressão na carreira e a remuneração". Eu digo mais: uma avaliação perfeita (que não existe) DEVE impedir algumas progressões na carreira que não são justificáveis - e aqui, sim, não há especificidade do ensino em relação aos princípios gerais da avaliação.
Por outro lado,as individualidades que compõem a Conselho Científico não me parecem nada alheias ao núcleo da questão: trata-se de professores em exercício de função, de representantes de associações pedagógicas e científicas de professores e uma série de pessoas ligadas à educação (quase todas com título de professor, conforme consta do despacho de nomeação).
Focas ainda a questão da sobrecarga horária que o processo de avaliação constitui. Todos os trabalhadores que fazem horários de 40 horas e se vêem envolvidos na avaliação e auto-avaliação têm de conciliar esse "extra" com as tarefas de referência da função.E fazem-no com vista a avaliação anual e não apenas de dois em dois anos.
Para a simplificação e desburocratização do processo, continuo a achar que as escolas terão um papel importante e parece haver margem de acção nesse sentido.

Por último, quero deixar aqui o meu total acordo com Mister no que diz respeito às prioridades que neste momento deveriam mover as energias de todos os actores deste cenário do ensino.Os probelmas que apontas, Mister, estão a montante e muitas vezes na origem de muitos dos problemas que agora mais se debatem neste âmbito.

24 março, 2008 11:56  
Anonymous Anónimo escreveu...

Miss Bala e Mr. Mister:
Pronto, acalmem-se, já passou. Aproveito para vos informar que Roteia, o visado, se encontra inteiramente indisponível, logística e psicodinâmicamente para a blogosfera. Quem ficou a tomar conta da loja fui eu, à minha maneira.
O seguinte: o filósofo acima citado, José Gil, tocou no ponto: a ministra canaliza o seu rancor para os docentes, ela que, como todos os rígidos obsessivos, é dada a eles (rancores). Com razão? Talvez, depende do conteúdo e da forma. Há uma frase: "eu posso não ter razão, mas tenho razões". Ela terá razões, os outros (todos) também. Logo, os professores também. Ponto.
Quanto a opiniões, todos as temos e, por definição, todas elas oscilam entre a ob e a subjectividade, por múltiplos motivos mais ou menos (in)conscientes em cada um de nós. Outra frase: "o coração tem razões que a própria razão desconhece". Pronto, fica assim, por agora. Ah, deixem-me dizer-vos isto: quando eu for grande não quero ser professor (livra!). Quero um trabalhinho que me dê mais tempo livre e menos dores de cabeça. Bala, não é o teu caso, eu sei, mas há uma determinada faixa da população que acha os professores todos maus e a ganhar rios de dinheiro para não fazer nenhum. Correcto? Considero-me insuspeito, porque não sou professor. Livra!
E vou terminar, dá-me ideia que já me estou a repetir.

25 março, 2008 17:35  
Anonymous Anónimo escreveu...

Propranolol,

Muito bem-vindo este teu humor mesmo à Propra (desculpa o diminutivo, é carinhoso).
Cá aguardamos o regresso de Roteia.

Já agora, com tantas razões em jogo, é evidente que é difícil (e indesejável) chegar a uma só.

Sei que há professores que se esfolam a trabalhar - conheço alguns - mas há também os que têm muitissimo mais tempo livre do que a maior parte das profissões - também conheço alguns.

E agora, sem me repetir,

beijinhos, abraços e até breve.

Bala

26 março, 2008 11:34  
Anonymous Anónimo escreveu...

Bala:
E pronto, acabou-se!
Estamos entendidos...como sempre!
Bjs.

28 março, 2008 00:09  
Anonymous Anónimo escreveu...

lol propanolol

ops que te repito!
lol

Quero só acrescentar mais uma colherzinha (de açúcar ou sal consoante a saúde de cada um).

A visão da Ministra enquanto mulher má, mesquinha, rancorosa, que nutre um ódio de morte contra os professores, parece-me um argumento despropositado e desmerecedor.

Propanolol, os argumentos para um lado e para o outro, só são válidos enquanto forem objectivos.

29 março, 2008 14:57  

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