sexta-feira, novembro 23, 2007

VERGONHA



No espaço de apenas três semanas, por diferentes razões, sairam nos jornais duas
notícias referentes à existência em Portugal de obras de dois grandes mestres
italianos, por coincidência, ambos venezianos e ambos pintores de génio:
Tintoretto e Tiepolo.
Primeiramente, foi noticiada a "descoberta" de A Adoração dos Magos, enorme
tela de Jacopo Tintoretto (1518-1594), pertença do convento de Singeverga. Um
facto feliz, mas que não deixa de ser sintomático da deficiente ou tardia investigação
histórica em torno do património artístico nacional que se encontra na posse da
Igreja.
Surge agora uma má notícia que deveria cobrir de vergonha as classes dirigentes
do país, potenciais mecenas incluídos: foi declarado pelos responsáveis do Ministério
da Cultura que o Estado não irá exercer o seu direito de preferência na compra da
pintura Deposição de Cristo no Túmulo, de Giambattista Tiepolo, classificada
desde 1939 como obra de interesse público, e que desde essa data está impedida de
sair de Portugal. A obra vai a leilão em Lisboa no próximo dia 29, com uma base de
licitação de 1.250.000 euros. Nada disto constituiria escândalo se os nossos
principais museus não carecessem de autores e obras de arte de primeiro plano,
nomeadamente no que respeita à pintura italiana. A inexistência em Portugal de
políticas de aquisição, ou melhor dizendo, de políticas de investimento em bens
artísticos, que complementem lacunas e enriqueçam as colecções já existentes,
tem uma longa história de incúria e desprezo pela arte. Na triste (ultra)periferia
museológica em que o país permanece, não é tido em consideração o exemplo dos
principais museus internacionais que, apesar da dimensão e relevância das suas
colecções, continuam a desenvolver fortes políticas de aquisição.
Por cá, a desculpa é a mesma de sempre: que faltam meios ao Estado, que o dinheiro
não chega para tudo... Mas então, porque não se encurtam gastos sumptuários, a
começar pelas despesas dos Ministérios?
[R]

Pintura > Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770), Itália
> Deposição de Cristo no Túmulo, c. 1765?. Colecção Particular
(leilão da casa Leiria & Nascimento, Lisboa)

[Adenda > 30. Nov.2007]
Júbilo, é a palavra certa. O Estado acabou por exercer o seu direito de opção na
compra da pintura de Tiepolo, como já se previa em vésperas do leilão.
Afinal, houve vergonha.
Não era coisa que se pudesse desprezar, uma parede
no MNAA
com três obras do grande mestre veneziano .
[R]

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7 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Roteia,
acabo de ler este post sobre a notícia que toda gente já conhece, mas não vejo onde é que está a novidade. Verbas do Estado português para comprar um Tiepolo? Mas quem é que o Tiepolo pensa que é? Os museus nacionais passam muito bem sem ele. Sem ele e sem os outros! As pessoas que quiserem vê-los que se desloquem ao Louvre ou à National Gallery ou ao Prado, onde todos eles abundam por salas e salas e salas a perder de vista.
As verbas em Portugal são necessárias mas é para a construção de silos, parques de estacionamento, auto-estradas, rotundas, viadutos, nós da Buraca, Creles e Criles e tudo o mais que facilite o acesso aos estádios de futebol e aos Shoppings e aos Outlets! Não, Roteia, sinceramente não vejo qual é a novidade.

26 novembro, 2007 00:02  
Anonymous Anónimo escreveu...

Pois é lamentável!
E parece que o que há a fazer é nada fazer, está visto e revisto que assim é que é!
Então vamos todos parar a deixar de fazer!
É ultraperiférico esta forma de estar e de nada se fazer!
Viva e vivam em viva-se nós de buracas e tudo a terminar para que estaduais estádios!
(Não resisti a esta triste notícia)
Um abraço
Alice

26 novembro, 2007 17:38  
Anonymous Anónimo escreveu...

Já há uns tempos atrás, fiz um repto para que tentassemos reflectir sobre os efeitos que o desinvestimento na área da cultura poderiam ter na preservação dos "valores" culturais. Esse desinvestimento reflecte-se bem no orçamento previsto para a área da Cultura em 2008. Mesmo admitindo que a todos nós cabe uma parte da preservação de uma "herança" (entidades públicas; privadas; instituições; cidadãos), é um facto que o Estado não pode, refugiando-se nessa miragem da "partilha de responsabilidades", deixar de tutelar, hierarquizar prioridades e zelar para que os "bens" culturais tenham efectivamente uma partilha mais equidistante, que não se compagina com a privatização total dos mesmos ou com o descartar responsabilidades.
Para os momentos de "crise" há que criar também uma estratégia de crise, que tem que ser conhecida, pois as opções terão ainda que ser mais claras, as decisões mais assumidas; e as prioridades ainda mais duramente clarificadas.E é, afinal, da assumpção de uma estratégia de crise que estamos à espera, não querendo assitir mais a omissões ou desculpabilizações que instalam um certo mal-estar que causa sempre a navegação`"à bolina", melhor dizendo, a "navegação à vista".
Não será fácil a qualquer responsável atravessar fases quase desérticas, sei-o bem; mantenho ainda uma certa dose de "alento", mas se não assitir a claras opções estratégicas ... bom ... até o melhor dos alentos se esfuma! E o caminho não será este, certamente.

27 novembro, 2007 11:21  
Blogger bettips escreveu...

Para PF e Roteia: sim? quem é esse pintor tão velhote? Se a gente vai ali ao lado na easy e vê tudo!
Até vê um Ministro da Cultura a inaugurar uma exposição dum Nobel por acaso, um velhote simpático e português.
E se calhar o quadro ainda era para se "recuperar"... Ora para recuperar já temos que chegue, por ex., o défice, os milhões de prédios a cair, os irrecuperáveis dinheiros de toda essa gentinha que passou pelo poder como o cometa, as fraudes da lista e as outras...Bolas, não pode um pobe português passar um Natal descansado sem essa coisa da coltura sempre a morder! Abçs

30 novembro, 2007 02:01  
Blogger maria escreveu...

Afinal- Surpresa!! O Estado comprou o quadro de Tiepolo por 1,5 milhões de euros exercendo o seu direito de opçao, não tendo chegado a haver quaalquer licitação.Vai para o Museu N de Arte Antiga.

30 novembro, 2007 11:31  
Anonymous Anónimo escreveu...

Congratulamo-nos pela aquisição desta obra de Tiepolo pelo estado português. Congratulamo-nos, sem mais. Este acto isolado não corresponde a qualquer tipo de política nem se insere em nenhum projecto. Aliás, não há notícia de que alguma vez um qualquer governo português tenha aproveitado o intervalo de um bom desafio de futebol para pensar um bocadinho na palavra projecto. Muito menos tratando-se de projecto cultural.

09 dezembro, 2007 00:17  
Blogger A Lusitânia escreveu...

Quando voltam? Já me fazem falta

13 dezembro, 2007 14:09  

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