terça-feira, junho 26, 2007

MUSEU BERARDO (3)



Insistimos: a abertura do Museu Berardo em Lisboa é um acontecimento
histórico
para Portugal.
O museu vem preencher um vazio numa área museológica muito carenciada em
Lisboa e vem colocar o país no mapa artístico internacional, dando também
mais visibilidade a artistas portugueses que passam a poder ser vistos no contexto
dos grandes criadores e dos principais movimentos artísticos internacionais desde
início do séc. XX. Além disso, o museu vem potenciar outros museus já existentes
no país, como o Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian e o Museu do
Chiado, ambos em Lisboa, ou o Museu de Serralves, no Porto, com os quais se
espera venham a ser estabelecidas parcerias e projectos comuns.
No campo das parcerias, imagine-se o que seria uma grande exposição dedicada
à Pop Art, que reunisse o excelente núcleo da Pop britânica do CAM/FCG e o
imprescindível núcleo da Pop americana do MCB/CCB, ao qual se juntariam obras
de artistas portugueses ligados à Pop. E imagine-se que essa exposição, depois da
sua apresentação em Portugal, viesse a ter circulação internacional.

É bizarro o modo como a abertura do Museu Berardo tem sido tratada na maioria
dos orgãos de informação e também na blogosfera. Quase toda a matéria noticiosa
e a opinião publicada sobre o assunto incide nas polémicas em torno da personalidade
do coleccionador, ou em questões de ordem financeira relativas aos custos da
manutenção do museu.
Parece que há uma preocupação generalizada entre jornalistas e comentadores de
que Joe Berardo possa ampliar a sua fortuna à custa do Estado português, sendo o
governo acusado por alguns de não acautelar o interesse público.
Subestimam-se deste modo, quer os direitos do coleccionador a usufruir dos bens
por si adquiridos, quer a inteligência da sua estratégia empresarial (que não parece
restringir-se ao investimento financeiro). Subestimam-se ainda as responsabilidades
do Estado no desenvolvimento de políticas culturais de alcance internacional.
E, sobretudo, subestimam-se a relevância artística da colecção e a importância que
o museu terá para o país, quer no plano interno quer externo . É preciso perceber
que há uma geração de jovens portugueses que vai passar a beneficiar do contacto
directo com a história das vanguardas artísticas desde início do séc. XX até ao
presente.

Joe Berardo foi o primeiro português a ousar investir uma fortuna considerável na
criação de uma colecção de contornos internacionais. Ele terá compreendido que as
insuficientes políticas estatais e empresariais neste sector, lhe abriam caminhos de
afirmação a todos os níveis. Berardo, ao contrário da maioria dos empresários
portugueses, é um exemplo de quem, tendo partido do "nada", soube dar um destino
nobre à sua fortuna.
Só podemos concluir, por muito que custe aos nossos mesquinhos media e às nossas
(ultra)periféricas elites, que faltam mais berardos destes em Portugal.

[Adenda]
Alexandre Pomar sugere que seja criado um fundo de donativos destinado
a novas
aquisições do Museu Berardo. Uma boa ideia, que se pode ler aqui.

[Adenda 2 > 30.6.2007]
Não há qualquer referência ao novo Museu Colecção Berardo no site do CCB.

[Adenda 3]
Sobre o lamentável conflito Mega/Berardo veja-se o que escreve Daniel Oliveira,
Sangue azul e massa cinzenta
. É certo qua as afirmações de Berardo foram
infelizes, fruto talvez de ter o "saco cheio", e é pena que ele não se tivesse ficado
pelo "prima dona", tão adequado a Mega Ferreira. Mas também é certo que Berardo
tem dado provas de saber ser aconselhado, pelo menos no que diz respeito à sua
colecção. E isto é especialmente notável, sobretudo num país em que muitos dos que
têm dinheiro e poder ostentam saber do que não sabem, como se não existissem
especialistas e especializações.

Objecto > Marcel Duchamp (1887-1968), França/EUA
>
Boîte (série C), Museu Colecção Berardo, Lisboa
[R]

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15 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Mau negócio, desastre para os contribuintes, manha do Berardo - saldo disponível até à data, efectivamente, a avaliar pelos depoimentos intra e extra blogosféricos.

Eu digo que o facto de poder ter acesso a uma colecção deste nível (avaliada, como diz o Herald Tribune, em 316 milhões de euros) por cerca de 5 euros e para a qual não paguei mais nada, é um óptimo negócio.
Há também a considerar a grave questão dos 250 mil euros anuais que o Estado terá de desembolsar para participação na aquisição de acervo. Ridículo, meus amigos, tendo em conta o valor deste tipo de obras…

Nestas contas do deve e haver tem falhado, no entanto, a contabilidade das verbas que entram. Museus deste tipo costumam arrecadar somas avultadas por fazerem parte do roteiro obrigatório de quem visita os países que os albergam.

Estarmos a partir de agora no mapa mundial da grande museologia de carácter contemporâneo também não tem entrado nesta contabilidade de azeiteiro (e ainda chamam nomes ao Berardo).

Lá fora este é dado como um momento histórico para a cultura em Portugal. Cá dentro é visto como uma matreirice conluiada entre o empresário e o Estado. Como se diz numa rábula dos Gato Fedorento: "É tudo uma cambada de malandros, de chupistas e de ladrões". Visão tradicional , tão nossa como o galo de Barcelos.

27 junho, 2007 12:57  
Anonymous Anónimo escreveu...

Berardo dá a colecção, o estado o edifício (que é mais difícil de arranjar?). O fundo de aquisições é pago a meias. Em que é que o Berardo está a beneficiar financeiramente? Quem beneficiaria, e muito, seríamos todos nós se o estado comprasse já toda a colecção ao preço da tal avaliação...
(já tenho ouvido dizer "mas os quadros são dele!"... mas é precisamente isso, porra, são dele e ele põe-os à nossa disposição! E pacientemente construiu esta colecção - é preciso visão, arrojo e generosidade!)
Não duvido que o problema mesmo é a pretensa 'falta de chá' do Berardo, a 'pronúncia esquisita'... O post é particularmente feliz quando refere o destino "nobre" dado à fortuna que construiu com o seu esforço. Assim houvesse por cá mais empresários com esta nobreza e paixão! (como o post também refere, e muito bem)
Um abraço!

27 junho, 2007 22:59  
Blogger Roteia escreveu...

Bolota:
Colocas o dedo na ferida. De facto, não há paciência para tanta contabilidade quando se trata de questões de investimento cultural. Ainda não se percebeu que, como dizia o outro (Carrilho), "cultura não é uma flor na lapela".

28 junho, 2007 12:14  
Blogger Roteia escreveu...

CV:
Outro dedo na ferida, a personalidade um pouco excêntrica, por vezes controversa, de Joe Berardo. E no entanto é absolutamente óbvio que o empresário tem ideias e sabe construir uma colecção. Para quem pense que é coisa fácil, reunir obras de grande significado histórico, há pelo menos que reconhecer que ele sabe bem do que não sabe, sabendo simultâneamente escolher quem o aconselhe. E a persistência é sem dúvida uma das suas qualidades. Sem a persistência os governos não teriam decidido fixar este museu em Portugal.
Abraço.

28 junho, 2007 12:29  
Anonymous Anónimo escreveu...

Joe Berardo enriqueceu nas minas do apartheid Sul-africano e depois disso dedicou-se a continuar a enriquecer à custa da especulação financeira, mercado da arte incluído. Se a arte perdoa tudo, incluindo a exploração do apartheid, pois então não estou a ver que virtudes poderá trazer ao país. Este caso é todo ele uma vergonha de ponta a ponta, e um sinal de provincianismo profundo das suspostas elites, este blog incluído.

29 junho, 2007 11:55  
Blogger R.O. escreveu...

Não costumamos responder a comentários anónimos neste blog, nem apagá-los, como outros fazem. No entanto algumas das questões levantadas têm interesse para o debate.

Percebe-se que o autor do comentário se coloca num plano de superioridade moral/ideológica, capaz de julgar de uma penada a fortuna alheia.
Não sei se Berardo enriqueceu ilicitamente, mas pode-se sempre considerar que, como escreveu Engels (cito de memória), "por detrás de uma grande fortuna há sempre um crime". Deveríamos então, segundo este ponto de vista, fazer o "apartheid" a Berardo e à sua colecção. E já agora, rejeitar a generalidade dos museus (como propunham os dadaístas representados na Colecção Berardo), criados sabe-se-lá à custa de que fortunas criminosas.

A arte não tem capacidade para perdoar, nem sequer, infelizmente, para transformar o mundo obscuro em que todos vivemos. Mas a arte também não é asséptica. Nem o puritanismo cultural, que tende a separar os fenómenos estéticos dos sistemas sociais em que tais fenómenos são gerados. Se quisermos viver num sistema mais "limpo", é preciso radicalizar as coisas, começar pelo início, onde tudo começa, pelos nossos próprios hábitos.
Um dos homens de Hitler (cujo nome me escapa) era um coleccionador compulsivo de obras de arte... Aliás sabemos que muitas das grandes colecções, incluindo estatais, foram feitas à custa de saques, com muito sangue derramado.
Prestígio e poder associados ao mundo da arte, ou dos museus, são de sempre e de toda a parte. Que o mercado da arte tenha atingido níveis de especulação imorais é uma consequência disso mesmo e do sistema economicista - a economia de mercado - em que todos vivemos, à escala global.

Sobre o provincianismo está bem à vista, infelizmente. E paira também em preconceitos como os do comentário anterior. Aconselha-se, neste campo, a leitura de Fernando Pessoa, crescido e educado na África do Sul, que escreveu sabiamente sobre o provincianismo português.

Finalmente, quanto aos "sinais de provincianismo profundo das supostas elites, este blog incluído", respondo, como diria um amigo meu: "sobre esse assunto, não tenho nada a declarar".

29 junho, 2007 15:03  
Anonymous Anónimo escreveu...

Nestas águas paradas em que nos movemos (sim, vê-se muita gente de ombro e sobrolho caído) é bom que apareça alguém com ideias, energia, inconformidade e dinheiro, que as agite. E que ainda por cima aponte direcções nas suas áreas de eleição afectiva (arte e futebol). A atitude provocatória de Berardo é pensada: Berardo quer agitar as águas.

29 junho, 2007 15:20  
Blogger Unknown escreveu...

Uma curiosidade: no site do CCB não existe QUALQUER referência à colecção !!!! Nem nas 'notícias ccb' se pode ler a mais velada alusão a este acontecimento... Noutros tempos o António Pessa diria "E esta, heim?"

29 junho, 2007 22:32  
Blogger Roteia escreveu...

Bolota:
Penso exactamente isso, que Berardo quer agitar as águas. E acrescento: há quem não lhe perdoe o protagonismo. Aliás, em Portugal há sempre quem não perdoe o destaque alheio.

Cobras e son:
Não é apenas uma curiosidade. Há relatos concretos de obstrução de Mega Ferreira ao Museu Berardo. Um exemplo: os endereços do CCB para convites não foram cedidos à fundação de Berardo, tendo como consequência que o público habitual do CCB não foi convidado para a inauguração oficial do Museu. Outro exemplo: nem uma só palavra sobre a o Museu e a sua actividade no "cartaz" do CCB para os próximos meses.

30 junho, 2007 00:14  
Blogger A Lusitânia escreveu...

Vou-vos contar uma história. Porque toda esta confusão à volta da colecção Berardo me lembrou uma situação, algures nos anos 80 da "movida lisboeta". Talvez os principais intervenientes nem se lembrem, mas eu sim, porque espelha bem a mentalidade das ditas "elites portuguesas". Passou-se numa galeria conceituada de Lisboa (eu assiti a toda a "cena"). A determinada altura acabaram-se os convites. E agora? Como seleccionamos? Bom, há que fazer uma escolha ... a morada talvez ... deixam-se cair todos os possíveis convidados de Odivelas, Sto António; Loures ... e, imaginem-se, a metodologia foi aceite. Não resisti a contar o episódio à minha mãe que trabalhava da CGD de Odivelas e disso muito se orgulhava.Ficou em estado de choque e disse-me ... que pena ... havia de eu de conseguir convencer um cliente nosso, daqueles cheios, mas mesmo cheios de dinheiro a chegar a essa galeria e, mesmo sem saber muito bem o que comprava, dizer alto e bom som: compro tudo!
Pois é, passaram quase trinta anos ... mas afinal estamos iguais.
Ainda bem que há Berardos que nos permitem ver (a nós lusos que nem sempre podemos ir às melhores galerias do mundo)o que há de bom desse mesmo mundo. Caprichos ou "gaucheries"??? Afinal porque não os há-de ter? Não teria a Amália??? E se cantava bem! Pois eu ainda não fui à exposição ... mas não faltarei.

05 julho, 2007 21:25  
Anonymous Anónimo escreveu...

O despojo dos saques de guerra terá enriquecido as colecções iniciais de muitos museus, a questão da origem da fortuna não me interessa, nem as guerrinhas de "personalidades".
O que é um facto é que podemos agora ver obras contemporâneas, mesmo que pessoalmente não goste de muitas delas. Prefiro mil vezes ver ao vivo do que num livro ou revista, e isso agora é possível.
Só tenho pena não poder ver tantas obras clássicas quanto desejava (para isso tinha de viajar muitissimo mais do que a minha disponibilidade permite).
Já lá fui uma vez, e irei muitas mais!
(há que tempos que não comentava aqui)

10 julho, 2007 16:35  
Blogger Roteia escreveu...

Mena:
É isso, há quem confunda o provincianismo com o viver fora dos grandes centros urbanos, ou nos seus subúrbios, mas o provincianismo é, de facto, um fenómeno urbano, ainda que tal fenómeno por vezes seja exportado para a província.

10 julho, 2007 17:59  
Blogger Roteia escreveu...

Mário:
Já fui três vezes ao novo museu. Regressarei, também eu, muitas mais, sobretudo para rever obras e autores que me são menos familiares.Certamente muitas obras da Colecção Berardo, ainda pouco divulgadas, após o seu estudo e contextualização, irão tornar-se referências históricas.
Com o tempo, veremos também que obras "clássicas", provenientes de outras colecções, integrarão as exposições temporárias do museu.

(Ainda bem, Mário, que regressou a esta "caixinha de diálogo").
Abraço.

10 julho, 2007 18:58  
Blogger A Lusitânia escreveu...

Roteia, pois um dos meus pânicos é exactamente esse: o maior dos provincianiosmos de Lisboa está a ser agora exportado para as "regiões", onde chegam, quantas vezes, com a altivez de "de quem tem um olho, só porque não é cego, é rei. Gostava que um dia te dedicasses a avaliar m calma este novo fenómeno das Fundações e Museus de Arte Contemporânea do Alentejo, a exemplo da Eugénio de Almeida, Évora; a que hoje inaugura em Arronches; e do Museu de Elvas. Quantas vezes não se desliza num facilitismo discursivo, só para se dizer que ao Alentejo também já há o que há na "capital", ou seja, o que de mais provinciano há na capital. Mas bom, também só por tentativas lá vamos e,mesmo com os defeitos que muitas destas iniciativas ou ivestimentos têm, penso que vale a pena dá-las a conhecer, nem que seja para que não fiquem isentas ao olhar de quem não resvala para a facilidade. Parabéns aida pela vossa capacidade de responder.

13 julho, 2007 14:21  
Blogger A Lusitânia escreveu...

Tenho que fazer uma correcção: A Fundação António Prates é em Ponte de Sôr e não Arronches.

14 julho, 2007 11:09  

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