[PF #5.] - Aborto.
"Abortar como opção quando já bate um coração?" Vê-se por aí em enormes
outdoors esta frase que remete subliminarmente para o arcaísmo judaico-cristão da
mulher pecadora e leviana. Sendo que a dita frase surge em forma de pergunta, induz
portanto respostas. E a minha resposta é a seguinte: sim, abortar como opção quando
já bate um coração de mulher, de mulher responsável que enfrenta condições de vida
adversas, nos planos afectivo, económico ou social, que a conduzem a essa opção,
nos prazos impostos pelos conhecidos limites biológicos. Para que o seu coração de
mulher continue a bater e a sua vida não se transforme num drama. Para continuar
a ser mulher responsável. Coração de mulher? Sim, coração de mulher, e já agora...
porque não referir o coração de homem? Afinal, é a mulher que tem um filho ou é o
casal que tem um filho? É a mulher que engravida ou é o casal que engravida? É a
mulher que aborta ou é o casal que aborta?
[PF]
[Adenda > 22.12.2006]
É um facto que este tipo de abordagem condenatória incide na mulher e retira a responsabilidade do homem. Mas retira também o direito à consciência individual.
A decisão de abortar depende da consciência do sujeito, ou da moral que o partido A,
a associação B ou a religião C apregoar? O próprio cardeal patriarca de Lisboa defende
que é algo do foro do indivíduo e do seu livre arbítrio, que não deve ser manipulado
ou apropriado por estratégias ideológicas... Que direito assiste a quem condena e pede
a condenação - e não estamos a falar de condenação meramente moral, mas de
pessoas presas como criminosas? O direito da defesa da vida? Concordo que o direito
à vida não pode ser apenas uma causa biológica. Por vezes sinto que esta sociedade
não está assim tão longe de outras em que as mulheres são lapidadas em praça
pública por adultério. Aqui são presas e enxovalhadas por abortarem. Assim são os
fundamentalistas do NÃO, sempre prontos a atirar a primeira pedra...
[BT]
Adaptação do texto deixado por Bolota na caixa de comentários. [PF]
Etiquetas: [Personagem de Fricção], aborto
12 Comentários:
Mais tarde, consultada toda a equipa do Ultraperiférico, daremos conta da posição "oficial" deste blogue quanto ao referendo da IVG. Para já, pessoalmente, estou inteiramente de acordo com Personagem de Fricção, porque o direito à vida não pode ser apenas uma causa biológica. Nos humanos, este direito tem que ser sobretudo uma causa da dignidade. E, de facto, nos humanos a dignidade da procriação é coisa que tanto diz respeito à mulher como ao homem.
De facto não costuma referir-se o papel do pai, retira-se-lhe portanto quer o direito quer o dever, quer a autoridade quer a responsabilidade.
É um facto que este tipo de abordagem condenatória incide na mulher e retira a responsabilidade do homem. Mas retira também o direito à consciência individual. A decisão de abortar depende da consciência do sujeito ou da moral que o partido A, a associação B ou a religião C apregoar? O próprio cardeal patriarca de Lisboa defende que é algo do foro do indivíduo e do seu livre arbítrio, que não deve ser manipulado ou apropriado por estratégias ideológicas...Que direito assiste a quem condena e pede a condenação - e não estamos a falar de condenação meramente moral, mas de pessoas presas como criminosas?O direito da defesa da vida?Concordo com Roteia quando diz que o direito à vida não pode ser apenas uma causa biológica.
Por vezes sinto que esta sociedade não está assim tão longe de outras em que as mulheres são lapidadas em praça pública por adultério. Aqui são presas e enxovalhadas por abortarem. Assim são os fundamentalistas do NÃO, sempre prontos a atirar a primeira pedra...
Bolota:
Um dos argumentos do NÃO é que a alteração da lei tem poucas implicações no campo judicial por serem raros os casos de perseguição, julgamento e prisão de mulheres que tenham abortado em Portugal. Sendo assim, estamos perante um argumento de uma enorme hipocrisia, porque as leis deveriam ser cumpridas. Tapam-se os olhos à humilhante situação das mulheres que recorrem ao aborto clandestino, ignoram-se a mágoa e os perigos porque passam essas mulheres. Tudo a coberto da manutenção de "princípios" morais, sobrepondo-os às decisões que apenas devem ser tomadas na esfera íntima dos cidadãos.
Roteia,
Mesmo que só tivesse havido um caso já teria sido um caso a mais...Esse argumento do NÃo é um argumento hipócrita, como dizes, e revelador de "princípios" bem turvos.
Mas podemos explorá-lo e imaginar (ironizo)que se se fizer um movimento de opinião que obrigue à denúncia e ao cumprimento da lei (envolvendo cidadãos e juízes), o lado do NÃo passará então a considerar a mudança necessária da lei...
Há ainda um pendente por tratar, caso a lei venha a ser alterada: a posição dos médicos que se recusam a realizar a IVG. Mais uma luta corporativa que se avizinha.
FESTAS FELIZES!
"A luta para manter a paz é infinitamente mais difícil que qualquer operação militar."
(Anne O'Hare McCormick)
Até sempre :-)
A decisão de abortar deve ser feita em consciência entre o casal, apesar de o corpo ser inteiramente da mulher. Mas não acredito nem quero acreditar que o homem que fez o filho não sofra com a decisão que, em último análise, cabe à mulher porque é nela que está depositada a "semente".
Em todo o caso, é muito simples: contemple-se a hipótese legal de, em eu querendo, como mulher, poder abortar se, em consciência, assim o entender.
As imagens usadas e argumentos feitos pelos partidários do Não são absolutamente golpes baixos e nem deveriam ser considerados. Não existe, na realidade, um programa que possa ser defendido, apenas imagens chocantes e completamente fora de contexto, baseadas em suposições.
"Ah, e se por acaso, às não sei quantas semanas, aquele feto já for uma vida? Não vamos arriscar, deixemo-lo nascer, sob pena de estarmos, eventualmente, a acabar com uma vida!"
Enfim, um chorrilho de enventualidades e suposições.
Excelente post, este!
Isobel:
De facto, o homem sofre seguramente com a decisão de abortar que em ultima análise e em consciência é tomada pela mulher. O tema é tratado com hipocrisia por parte de certos partidos políticos e de certos media. Quando tentam incutir sentimentos de culpa invocando o direito à vida, subestimam inteiramente o direito à vida da mulher (aliás do casal, convém lembrar), vida que o é há muito tempo, pois que se trata da vida de pessoas que já têm idade para procriar. E essas são vidas que podem ficar irremediavelmente comprometidas económica e sócio-afectivamente se tiverem um filho que, respeitadas as naturais condicionantes biológicas, podem escolher não ter. E já agora, que dizer da vida de uma criança que não foi desejada? Ser-lhe-ão dadas as condições indispensáveis para um desenvolvimento saudável e um futuro equilibrado? Ter um filho é muito mais que um fenómeno biológico, é uma decisão que terá de ser tomada responsavelmente. E o direito à vida de uma criança, é ter sido desejada.
Acredito numa simples fórmula:
+ Educação (+ Cultura)= - Referendo(s)
E eu concordo, Australopithecus.
Incomoda-me que algo tão doloroso para quem aborta, e certamente também para o companheiro, seja submetido a legislação. Porque o aborto é uma questão de âmbito tão intimo, é uma decisão tão solitária quanto dolorosa...
Compreendo o seu incómodo. No entanto a legislação que interfere com a intimidade dos casais já existe. Trata-se agora de transformar essa legislação, possibilitando que cada um decida com o menor sofrimento possível.
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