sábado, novembro 04, 2006

[citação 14]
QUEM, SE EU GRITASSE



Quem, se eu gritasse, me ouviria dentre as ordens
dos anjos? e mesmo que um me apertasse
de repente contra o coração: eu morreria da sua
existência mais forte. Pois o belo não é senão
o começo do terrível, que nós ainda mal podemos suportar,
e admiramo-lo tanto porque, impassível, desdenha
destruir-nos. Todo o anjo é terrível.

Citação >
Rainer Maria Rilke (1875-1926), Áustria
> in As Elegias de Duíno e Sonetos a Orfeu (excerto de A Primeira Elegia),
1912-1922, ed. Inova, Porto, s/d (1969) > "versão" de Paulo Quintela.

Fotografia > Carlos Severino de Avellar (18??-191?), Portugal
> Homem de costas, Lisboa, 1908. (foto © FH/CRO).

[Apêndice]
Optei, entre duas traduções das Elegias de R. M. Rilke, por citar a mais antiga,
justamente a "versão" de Paulo Quintela, publicada em 1969, uma vez que foi
através dela que ocorreu o meu primeiro contacto com esta obra. Mas porque a
tradução mais recente de MariaTeresa Dias Furtado apresenta diferenças
assinaláveis que afectam a forma e o sentido dos célebres sete primeiros versos
d'A Primeira Elegia, decidi transcrever também esta tradução, procurando assim
fornecer elementos para leituras comparativas entre ambas e apreciação do delicado
trabalho destes tradutores. E presto aqui uma pequena homenagem a todos aqueles
a quem coube transportar para a nossa língua, com esforço e saber, obras poéticas
de dimensão universal.

"Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias

dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse
para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua
natureza mais potente. Pois o belo apenas é
o começo do terrível, que só a custo podemos suportar,
e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha
destruir-nos. Todo o Anjo é terrível."

> in Rainer Maria Rilke, Elegias de Duíno, ed. Assirio & Alvim, Lisboa, 1993
> Trad. Maria Teresa Dias Furtado
[R]

[citação 14: adenda/fragmento]
O BELO



...o belo não é senão o começo do terrível...

Fotografia > Imogen Cunningham (1883-1976), EUA
> Magnolia Blossom (Magnolia grandiflora), 1925, Col. Imogen Cunningham Trust
[R]

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8 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Identidade e Diferença...

O que mais me impressionou nas duas traduções apresentadas foram as suas diferenças, cavadas nas identidades dos tradutores, mas também nas estabelecidas como o autor; afectam a nossa leitura e a nossa compreensão da escrita de Rilke.

Prefiro a primeira, gosto da forma melosa como as palavras se embrulham para criar frases. A segunda (pode até ser linguísticamente bem traduzida), parece-me demasiado "científica", com um resultado mais frio, e sem a emoção do primeiro.

04 novembro, 2006 13:52  
Blogger maria escreveu...

Também gosto mais da primeira mas desconheço a língua original. A tradução não pode ser só técnica tem que haver um conhecimento da obra e do sentir do autor traduzido. Quando leio um livro em edição bilingue fico sempre perplexa pelas grandes diferenças que noto entre a leitura que faço do original e a leitura que o tradutor faz.

05 novembro, 2006 10:01  
Blogger Aldina Duarte escreveu...

Tirem-me desta pele é o maior dos gritos!

Até sempre!

05 novembro, 2006 12:56  
Anonymous Anónimo escreveu...

Roteia,
Quanto a mim, embora respeite as tuas escolhas, não posso deixar de dizer que esbarro na primeira imagem do post e fico bloqueado perante as belas palavras de Rilke. Aliás, perante as duas diferentes traduções das quais prefiro a de Paulo Quintela, talvez porque foi a que conheci primeiro.

05 novembro, 2006 14:30  
Blogger paulo escreveu...

Terrível, que provoca terror, que provoca espanto. Os relatos das aparições de anjos, da virgem, contêm relatos de experiências simultâneas de beleza, terror e reverência. Os infernos de Bosch retratam o terrível e são belos. O mesmo nas catedrais góticas, etc. Não há, como sabemos, contradição entre terror e beleza. (Como integrar esta frase: O que é belo é bom o que não é belo não é bom (gregos)?)
(O anjo, em Rilke, é uma entidade num estádio superior do ser, livre de contingência. É o que conhece. É o que vê o Todo, que os amantes ás vezes vislumbram, que o herói pressente e persegue desde cedo, etc. É uno, sem contradição, fora do tempo. É completamente outro, mais alto, mais potente (pode mas desdenha agir), em relação ao humano; terrível e belo como a luz que não pode ser fitada.)

05 novembro, 2006 21:19  
Blogger bettips escreveu...

Tenho o poema desses idos anos 60, tradutores lidando com os demónios da censura e incultura. O anjo de Rilke em breve se transformaria em Anjo de Extermínio, terrível. Felizmente ...há luar...Eu prefiro o "belo" só, puro e plano, ou antes "plain", directo, despido. O esforço de o criar. Saudações, gosto dessa gota dispersa que é a nova aquisição. Acrescenta a picardia ...

06 novembro, 2006 17:53  
Anonymous Anónimo escreveu...

Postar a bela imagem de Cunningham com a outra terrível fotografia, parece-me arrojado. Mas para falar dos anjos de Rilke, "de extermínio" (como disse Bettips) ou não, talvez tenha o objectivo de perturbar os sentidos e fazer pensar. Será?

08 novembro, 2006 01:51  
Blogger Graça escreveu...

Conheci Rilke em inglês e é nessa língua que mais gosto de o ler, embora tenha a tradução de Paulo Quintela. É estranho como o mesmo poema se pode multiplicar. Se bem que nunca é o "mesmo" poema...

12 novembro, 2006 21:04  

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