quarta-feira, junho 28, 2006

PALAVRA E IMAGEM



Dizer que "uma imagem vale mais que mil palavras", é um lugar comum que perdeu
todo o sentido - a proliferação de imagens, mais ou menos qualificadas, invadiu a
quase totalidade dos espaços de comunicação. Compete por isso aos artistas,
particularmente aos fotógrafos, reflectir sobre a crescente banalização do uso de
imagens e questionar os poderes que delas se servem para manipular os indivíduos
e as sociedades, tanto na intimidade como à escala global.
Constatamos que no mundo mercantilizado dos media, palavra e imagem tendem a
ilustrar-se mutuamente e, neste contexto, a desvalorizar-se por perda da magia
e da especificidade que uma e outra deveriam conter. A tendência documentalista
da imagem fotográfica está omnipresente no nosso quotidiano, registando tudo e
todos, anónimos e anódinos incluídos, por vezes esteticizando desgraças, como
faziam os fotógrafos salonistas do passado, e quase sempre explorando frivolidades
lucrativas.
O consumo diário de imagens vem corroendo as funções tradicionais da arte e as
suas componentes estéticas. Os horrores da guerra, por exemplo, são documentados
em "directos" televisivos a partir dos "cenários" de conflito, tornando as imagens
parte integrante desse conflito, ou até o seu pretexto.
Lembrar Francisco Goya (1746-1828) na série Los Desastres de la Guerra e
em Los Fusilamientos, vem a propósito, pelo contraste e pela grandeza estética.

Pensamos que a blogosfera enquanto alternativa aos media tradicionais pode ensaiar
novas tensões entre fotografias e textos. Dito de outro modo, cruzar palavra e imagem
sem intuito ilustrativo e deixar que elas dialoguem entre si.
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Fotografia > Fernando Lemos (n.1926), Portugal
> Luz Teimosa, 1949/52 (Colecção Berardo)
[R]

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9 Comentários:

Blogger Kaos escreveu...

Como em tudo na vida o que é bom acaba sempre por ganhar um vida própria e sobresair da mediocridade. A arte, por mais democratizada e banalizada que seja, só é arte quando ganha esse estatuto, quando brilha no meio do cinzentismo geral.

29 junho, 2006 12:29  
Anonymous Anónimo escreveu...

Não estou muito preocupado com os textos, a minha preocupação vai para a imagem e o seu desgaste. O texto acaba por ser mais maleável, ou não tenha já milénios de experiência como forma de expressão. A imagem é mais complicada de sobressair da mole. Essa junção até pode funcionar na web, mas para isso acontecer teria de haver uma colaboração entre fotógrafos e escritores para cirar obras conjuntas. Pessoalmente gostaria de experimentar.

29 junho, 2006 13:22  
Anonymous Anónimo escreveu...

o meu amigo pedro guimarães há poucos dias no seu blog escreveu isto: "Muitas pessoas escolhem o prisma pelo qual observam o que os rodeia. O fotógrafo terá a responsabilidade de lhes revelar outros prismas, que não sendo necessariamente os da verdade absoluta, servem como estímulo ao acto de pensar."
isto é também para mim essencial.

quanto aos textos. existe hoje em dia cada vez a preocupação de (por exemplo) no campo da foto-reportagem/documentários ser o próprio fotógrafo a escrever os seus textos, tendo assim o controlo total da sua linguagem, seja esta mais ou menos limitada num dos campos (fotografia ou texto). a fotografia documental está a mudar, é o que eu sinto. agora falta talvez os observadores (todos nós sociedades) serem também mais críticos e distinguir o que é suposto ser meramente ilustrativo e o que não é.

29 junho, 2006 13:49  
Blogger Sergio Pereira escreveu...

Não é somente a fotografia documental que está a mudar, toda a fotografia está em mudança.
O mercado digital e a proliferação de sites para amarzenamento de fotos estão a contribuir para isto.
Actualmente o acto de pensar e construir mentalmente uma imagem antes do click é substituido pelo simples termo: "Photoshop"
Esta forma errada de pensar que o photoshop resolve tudo, começa a transpor e a misturar as barreiras do que é arte fotográfica e arte digital.

29 junho, 2006 16:40  
Blogger JOPP escreveu...

A arte é aquilo que nos faz parar - para pensar, por exemplo. Eu fiquei bastante tempo parado nesta fotografia do Fernando Lemos (fez-me lembrar um dos artefactos do Duchamp: uma porta que nunca estava inteiramente aberta, nem inteiramente fechada. E depois fiquei parado no texto.

01 julho, 2006 15:56  
Blogger António Ferra escreveu...

Apreciei muito esta análise da imagem. Encontro aqui o que eu também gostaria de dizer, nomeadamente no que respeita à banalização da imagem e à relação entre a imagem e a guerra. A subversão da imagem é também paralela à subversão da palavra. Algumas das afirmações sobre a imagem podem ser transpostas para a palavra.
Nota: os comentários a este post ajudam muito à reflexão e análise da Fotografia.

01 julho, 2006 18:22  
Anonymous Anónimo escreveu...

Ausência forçada impediu-me nos últimos dias de responder e participar neste debate. Mas como os comentários me parecem trazer questões importantes, procurarei responder em breve, possivelmente sob forma de post, isto é, com palavras e imagens.
Saudações ultraperiféricas a todos!

03 julho, 2006 05:16  
Anonymous Anónimo escreveu...

Concordo com o Australopithecus XXI. Temos que separar bem o que é arte fotográfica daquilo que é arte digital.
Parabéns pela qualidade das fotos que este blog vem apresentando.

Cordial abraço do

Aluízio Amorim
http://oquepensaaluizio.zip.net

17 julho, 2006 17:10  
Anonymous Anónimo escreveu...

Aluízio:
A passagem do analógico para o digital, ou da fotografia para a infografia, é um fenómeno complexo. Uma diferente forma de democratização da imagem, mas também da sua crescente banalização. Quanto à separação das artes, se forem de facto artes, pouco importância tem a separação de processos. Em arte, importa a dimensão estética mais do que a tecnologia utilizada.
No entanto considero pertinente que nos interroguemos sobre os excessos de manipulação digital da imagem, tantas vezes escondendo debilidades de formação estética.
Um abraço.

18 julho, 2006 03:47  

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