terça-feira, abril 11, 2006

PORTUGAL ULTRAPERIFÉRICO
Trânsito nos centros históricos




Os centros históricos são a alma das cidades. Por isso, como aceitar que os poderes
autárquicos persistam em "vender a alma ao diabo", em troca de supostos benefícios
como a acessibilidade ao comércio ou aos serviços.
Transformados em parques de estacionamento, muitos dos mais notáveis espaços
públicos das cidades portuguesas tornaram-se um pesadelo. Ainda que o trânsito
seja condicionado em certas zonas, todos os recantos acabam por servir para
estacionar os carrinhos e promover a preguiça pedonal.

Évora é um doloroso paradigma, por se tratar de uma cidade-museu, classificada
Património Mundial da Humanidade pela Unesco. Percorrer o seu centro histórico
obriga ao desgastante exercício de entrever a arquitectura com carros.

Os sons intemporais dos corvos que habitam o zimbório e as torres da Catedral de
Évora apenas reforçam a contradição.
[P]

Fotografia > Eduardo Nogueira (1898-1969)
> Sé de Évora, zimbório e torres, déc. 1950 (foto © FH/CRO)
[R]

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16 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Eis uma questão pertinente!
Agradar ao eleitorado poderá ser um dos motivos para que não se implementem mais medidas autárquicas restritivas do trânsito e estacionamento nos centros históricos das nossas cidades.
É claro que as soluções são complexas, exigindo criatividade e, decerto, coragem política.

12 abril, 2006 20:42  
Blogger Sergio Pereira escreveu...

Nos Centros Históricos deveriam ser apenas permitido o trânsito de veículos dos moradores e dos serviços essenciais.
Porém, infelizmente em alguns Centros Históricos além de possuírem um trânsito normal, também estão sujeitos a passagem de veículos pesados. Vila Nova de Gaia é um exemplo disto

13 abril, 2006 22:54  
Anonymous Anónimo escreveu...

Concordo consigo, Australopithecus. Aliás, temos acesso a tudo aquilo a que não temos acesso. Podemos alegremente aceder a locais a que não podemos aceder por esse exacto motivo: acesso de automóvel, podemos; acesso visual/perceptivo, não podemos. Penso que este é um dos grandes paradoxos do "nosso tempo", tal como o do consumismo.

14 abril, 2006 00:08  
Anonymous Anónimo escreveu...

Também estou de acordo, com Austrolopithecus e com PropanoLoL, que o trânsito nos centros históricos se deva restringir a moradores e serviços essenciais.
No entanto, permanece o problema do estacionamento de moradores e turistas. Em Évora, por exemplo, o estacionamento junto à Catedral é reservado, creio eu, a turistas hospedados nos hotéis das redondezas, que ficam em ruas de trânsito proíbido.
Evidentemente que é muito incómodo deixar o carro longe da casa onde se mora ou do hotel onde se pernoita. Como resolver estes problemas de estacionamento?

14 abril, 2006 00:40  
Blogger Héliocoptero escreveu...

Pois eu acho que nem moradores! E digo isto porque sou de Alcobaça, terra onde, há algum tempo atrás, se fez obras no centro histórico e se pretendeu precisamente limitar o trânsito apenas a moradores e serviços essenciais. Resultado: qualquer carro passa e de nada servem os avisos ou multas. Aliás, a câmara foi até ao ponto de, ao abrigo dessa de "apenas para moradores", permitir que se instalasse uma garagem privada em plena zona histórica.

Convençam-se que a partir do momento em que se abrem certas excepções o português abre logo o leque de possibilidades.

Eu resumiria o problema do trânsito nos centros históricos a dois pontos essenciais:

1) Atraso de mentalidade. Saímos de uma ditadura há pouco mais de 30 anos, de um estado de coisas em que mais do que viver, sobrevivia-se, e agora o bom português quer é aproveitar as possibilidade materiais que dantes não dava para ter, coisas como umas férias de luxo (ainda que a custo de um empréstimo bancário) ou um bom carro. O bom português não gosta que lhe tirem o direito de usufruir desse luxo e de o exibir. É um restício latente da ideia de que carro é para os ricos e transportes públicos é para os pobres.

2) Puro e simples comodismo. Há pessoas que moram a umas centenas de metros do local onde trabalham, mas, mesmo assim, querem ir de carro; há pessoas que têm o péssimo hábito de irem ver as montras das lojas de carro (vão por mim, a coisa frequente em Alcobaça); há pessoas que acham que ter o carro à porta é um direito fundamental; há pessoas que não querem andar 10 ou 15 metros até à porta do café ou do supermercado e preferem deixar o carro mal estacionado. Diz a minha mãe que só não entram nos cafés com os carros porque não podem.

Resta ainda dizer que há um terceiro elemento sem o qual se torna impraticável uma cidade sem carros: bons transportes públicos! Baratos, seguros e com bons horários. Caso contrário, nada feito. E já nem falo em ciclovias...

15 abril, 2006 14:19  
Anonymous Anónimo escreveu...

Eu não posso estar mais de acordo com o Heliocoptero, cujo post "sabes que estás na Suécia quando", dá que pensar (e sonhar). Limito-me a acrescentar ultraperiféricamente que a questão dos transportes públicos nos centros históricos das cidades portuguesas funciona em curto-circuito: o pessoal desloca-se de carro porque os transportes são lentos, e os transportes são lentos porque o pessoal se desloca de carro. Estamos nisto.

15 abril, 2006 18:52  
Anonymous Anónimo escreveu...

Só mais uma coisa, Heliocoptero, estive há pouco tempo em Alcobaça e não há dúvida que é mesmo assim, e nas outras cidades idem idem.

15 abril, 2006 19:00  
Blogger Héliocoptero escreveu...

Entretanto lembrei-me de mais coisa que era para ter dito.

Há cerca de um ano atrás, numa aula de alemão no Centro de Cursos Livres no ISCTE, num momento de conversa sobre as diferenças entre a Alemanha e Portugal, pôs-se em cima da mesa a questão da circulação automóvel nos centros históricos. Enquanto um dos portugueses na aula defendia que quase tudo o que é rua devia ter carros a passar (que bonito), o professor de alemão achava que não e defendia duas coisas: primeiro, que há criar o hábito de deslocar-se de outro modo que não de carro e, segundo, que as pessoas têm que consciencializar-se que não têm o direito a poluir.

Esta última deixou-me parvo e nunca mais me esqueci, não porque discorde (muito pelo contrário!), mas porque fiquei espantado com os anos de luz de avanço da mentalidade daquele alemão: para ele era natural haver qualquer coisa como o não ter direito a poluir, enquanto que em Portugal acha-se que lá porque se tem um carro pode-se andar com ele onde se bem entender, que lá porque se tem um terreno pode-se construir o que se quiser nele, esteja em Reserva Ecológica ou não. O problema dos direitos adquiridos versus ordenamento do território fala por si.

15 abril, 2006 19:19  
Anonymous Anónimo escreveu...

Caro Heliocoptero:
Lembrou e muito bem a questão da poluição automóvel, quando no nosso post apenas era referido o problema da poluição visual, isto é, um obstáculo directo à fruição dos centros históricos.
Supostamente, se o trânsito fosse muito limitado, os problemas ambientais não seriam significativos, mas estou também convencido que a proibição a moradores seria a única forma de acabar com o problema. Há no entanto populações envelhecidas nos centros históricos e outras situações especiais que necessitam ser salvaguardadas.

15 abril, 2006 20:10  
Blogger Sergio Pereira escreveu...

Eis mais um debate interessante que este excelente blog levanta.
Concordo em quase tudo que o Helicopetero escreveu. Porém, temos que olhar para as populações envelhecidas muito bem lembradas pelo Roteira, que necessitam de uma especial atenção.
O ideal seria mesmo proibir qualquer tipo de trânsito, mas não podemos impedir os moradores que possuem veículos pois bem ou mal o acesso a suas casas e ruas é um direito adquirido.
A ausência do trânsito evitaria muito bem o que já foi dito aqui, como por exemplo: Poluição Ambiental, Visual, Sonora. Também evitaria impactes no património como o acumulo de fuligem nas paredes e azulejos das fachadas, fracturas e rachas causadas pelas vibrações, destruição dos lajeados pela constante passagem de veículos, etc.
Porém, o que podemos fazer se actualmente existem diversos projectos em alguns centro históricos de algumas cidades do País, onde são contemplados obras de reabilitação urbana para atrair novos moradores, sendo que a maior parte destes projectos são o reaproveitamento de antigos armazéns e fábricas para construções de apartamentos com garagem.
Sem contar com a proliferação de bares, cafés e restaurantes que necessitam de ser abastecidos.
Na minha opinião, enquanto não existir uma mudança de mentalidades, continuo defendendo o menor dos males. Circulação somente para moradores e serviços essenciais.
Acho que este debate tem tudo para continuar.
Saudações Bloguistas

16 abril, 2006 20:42  
Blogger Héliocoptero escreveu...

Proibir a circulação automóvel a moradores não os impede de aceder às suas ruas e casas: simplesmente impede-os de o fazerem de carro, além de que ter o veículo estacionado na rua ou à porta de casa não é um direito essencial, caso contrário cada português teria, por lei, um lugar reservado no local.

Os cidadãos idosos que carecem de um meio de transporte motor para se deslocarem é uma coisa: esses que se salvaguarde do mesmo modo que os serviços essenciais. O mesmo em relação a deficientes fisicos. Agora a todos os moradores em geral, discordo: têm um corpito perfeitamente funcional para se poderem deslocar a pé ou de bicicleta. É apenas uma questão de hábito e de menos comodismo (ou mania para o luxo).

E concordo que a solução também passa por impedir a construção de garagens privadas nos centros históricos. Nesse como noutros aspectos, Alcobaça volta a ser um triste exemplo do que não se deve fazer.

17 abril, 2006 10:55  
Blogger Sergio Pereira escreveu...

Em primeiro lugar quero pedir desculpas pois no meu post anterior cometi dois erros nas grafias dos nomes Heliocoptero e Roteia.
Em segundo lugar, no caso de Vila Nova de Gaia, as próprias empresas de Vinho do Porto são as responsáveis pelas maiores imbecilidades contra o Património Cultural no Centro Histórico. Antigos armazéns construídos em zonas com enormes potenciais arqueológicos são constantemente vítimas de obras de remodelações sem o mínimo de preocupação. Sem contar com o constante vai e vem de caminhões cisternas carregados de vinhos e de Caminhões pesados carregados com paletes de caixas de vinho.
Além disto, também existe a circulação de autocarros de turismos que levam os turistas até a porta dos armazéns.
Como tentar impedir este tipo de situação se a própria Câmara Municipal incentiva tal coisa?

17 abril, 2006 19:28  
Blogger Héliocoptero escreveu...

A mentalidade dequem está à frente dos municípios é ela mesma parte do problema. É assim em relação a inúmeros atentados ao património arquitectónico das nossas cidades ou aos atentados paisagisticos por esse Portugal fora. Tens um "óptimo" exemplo disso mesmo na recente polémica com o túnel de Ceuta no Porto.

É uma questão de mudança de mentalidades, alterar legislação (ou obrigar à aplicação da já existente), de intervenção na discussão pública dos temas, de lançar debates, petições, sessões de esclarecimento, de expôr as violações e atentados ao património, etc.

Em Alcobaça achou-se uma solução criativa para o problema dos autocarros que paravam mesmo em frente ao mosteiro: passaram a ter estacionamento reservado fora da zona histórica, para obrigar os turistas que dantes se ficavam pela praça principal e pouco mais a atravessar a mesma zona a pé, logo passar pelas lojas, cafés e espaços públicos, com inevitáveis melhorias para o comércio local.

18 abril, 2006 10:04  
Anonymous Anónimo escreveu...

Estou a acompanhar com muito interesse este debate, que, como se vê, "tem pano para mangas".

Depois de ler os comentários (e experiências) de Heliocoptero e de Austrolopithecus, também me parece que cada caso é um caso, isto é, cada caso exige soluções específicas, criativas e técnicamente adequadas. Mas sendo a actual situação da maioria dos centros históricos, vergonhosa, não restam dúvidas que há soluções básicas de fundo que têm que ser tomadas.
É mesmo necessário fazer alguma coisa, e creio que também passa pelo que Heliocoptero refere, "(...)debates, petições, sessões de esclarecimento (...)". Mas aqui esbarramos num outro problema da nossa ultraperiferia: a falta de sentido associativo e o desinteresse pelas coisas colectivas.

18 abril, 2006 21:12  
Anonymous Anónimo escreveu...

Eu sei que vou atrasado, mas:
Soluções, onde estão elas? Bla, bla é fácil, mas manter uma cidade com pessoas e ao mesmo tempo retirar-lhe os automóveis não é fácil!

15 outubro, 2006 20:49  
Anonymous Anónimo escreveu...

Não tendo o hábito de responder a comentários anónimos, desta vez lá vai.

Aos sábados à noite o regabofe na zona da catedral de Évora é indescritível. Há gente que não dá um passo a pé a caminho da discoteca.

Deixo-lhe apenas uma pergunta:
Se outras cidades fora de Portugal resolveram o problema do trânsito nos centros históricos porque é que nós não o resolvemos também?

16 outubro, 2006 03:26  

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